Folha de S. Paulo


Francisco, um ano depois

Aconteceu há um ano: os fiéis esperavam na Praça de S. Pedro, em Roma, e o novo papa veio literalmente do fim do mundo para os saudar. Com três novidades adicionais: era o primeiro Francisco a liderar o Vaticano; era o primeiro jesuíta a fazê-lo; e era o primeiro papa da América Latina.

Dizer que foi amor à primeira vista seria um exagero escusado: dias depois da eleição, corriam rumores de que o papa fora cúmplice da ditadura argentina, permitindo até o sequestro de dois prelados da sua ordem.

As acusações revelaram-se infundadas (para usar um eufemismo) e o milagre aconteceu: a esquerda progressista, para quem o Vaticano é sempre um alvo a abater, apaixonou-se por Francisco. Com razão?

O escritor Peter Stanford, em artigo para o "The Independent", tem dúvidas: não terá a esquerda construído um "Francisco Fantasioso" que, na verdade, só existe na imaginação dos camaradas?

Com a devia vênia aos ditos cujos, penso que sim. Fato: o papa Francisco tem sido exemplar na escolha de um estilo de vida mais modesto, prescindindo de certos luxos inerentes ao cargo (como trocar o apartamento pontifício pelo quarto modesto de uma pensão).

Mas acompanhando o 1º ano do pontificado, não há qualquer mudança nos temas "quentes" que tanto inquietam os progressistas. O papa não abençoou o aborto. O papa não vê com bons olhos o "casamento gay". O papa não tenciona ordenar mulheres para o sacerdócio.

E, em matéria econômica, o papa não é propriamente um "neomarxista": no conteúdo e até na forma, as suas preleções limitam-se a repetir o essencial da Doutrina Social da Igreja desde o "Rerum Novarum" (1891) de Leão 13. Que o mesmo é dizer: os excessos do capitalismo não legitimam os excessos do socialismo. Isso significa que não há mudanças dignas de nota?

Também não. Para além das mudanças de estilo, que têm forte impacto mediático e que são bem acolhidas pelos católicos em todas as enquetes a respeito, a revista "The Economist" relembra neste primeiro aniversário a importância da reforma da Cúria Romana, que Francisco iniciou. E ressalta a importantíssima nomeação de George Pell, arcebispo de Sydney, que terá a tutela do problemático Banco do Vaticano.

Por outras palavras: Francisco não é o revolucionário que os revolucionários esperam. É um Papa pragmático que, sem alterar uma vírgula na doutrina da Igreja, pretende reformar a instituição nos seus centros decisórios e, ao mesmo tempo, recentrar a mensagem evangélica nos mais pobres e excluídos –e não nas "batalhas culturais" (aborto, homossexualidade etc.) que só servem para dispersar tempo e energia.

Isto, que pode parecer pouco, é a maior revolução de Francisco, um ano depois.


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