Folha de S. Paulo


Parque Chas, o umbigo de Buenos Aires

Os números desmentem que Buenos Aires seja a maior cidade do mundo. Pior para os números: ela é infinita.

Geométrica e plana, Bs. As. tem a avenida mais larga (9 de Julio, 140 metros, 22 faixas em alguns pontos) e uma das mais compridas (Rivadavia, 35 km, da Praça de Maio até o Rio Reconquista). Se Manhattan é uma ilha, a Cidade do México, um vale, e São Paulo e Tóquio cidades que acabam milhares de vezes em viadutos, estradas e pontos intransponíveis para depois começar de novo, a capital argentina nos oferece uma impressão de amplitude pedestre que não existe fora daqui.

Não importa onde comecemos. Podemos caminhar em linha reta por dias e ainda estar sobre uma calçada, cercados por casas, pastelarias, prédios, cafés, teatros, kioskos. E, se insistirmos um pouco mais, não chegaremos à monstruosa avenida General Paz, que cerca a capital, mas sempre ao mesmo lugar: o pequeno enclave de Parque Chas.

Não é o fim do caminho, mas outro começo. O anacrônico bairro de casas e prédios baixos ao norte é o único que rebelou-se contra a disciplinada trama urbana da capital. Evitado por taxistas e conhecido como o "Triângulo das Bermudas" portenho, é o único lugar da cidade onde as ruas são curvas e, mais que isso, circuncêntricas –batizadas com nomes de localidades europeias, como Cádiz, Marselha, Berlin e Londres.

Parque Chas é o silencioso umbigo de Buenos Aires, onde o traçado de suas ruas e iluminadas avenidas converge para o ponto em que as direções do tempo e do espaço se encontram e se anulam num instante puro e vazio. Bioy Casares a chamava de "verdadeiro labirinto" –e não é pouco ser labirinto da cidade labirinto.

De fato, aqui é impossível dar-se a volta num quarteirão. No carro, ao seguir o consagrado método de virar sempre à esquerda ou direita por três vezes, sempre terminaremos num outro lugar e, ao repetir o procedimento, numa terceira esquina, jamais voltando ao ponto de partida. Igualmente se perderá o distraído pedestre que quiser sair –voltará à rotonda central, atraído por forças gravitacionais e sabe-se lá de qual ordem ancestral e secreta.

É que perder-se aqui é voltar ao mesmo lugar. Em Buenos Aires, estamos sempre recuperando algo que perdemos, escafandros de nós mesmos, mergulhando em águas onde nossa biografia se cruza com o mito.


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