Folha de S. Paulo


A sala do Richard Serra em Bilbao

Em Bilbao, maior cidade do País Basco, seres humanos arrancam minério de ferro das montanhas que nos cercam desde séculos antes de Cristo. E ainda hoje: são cinco milhões de toneladas extraídas na região a cada ano.

Entrar na exibição "A matéria do tempo" no museu Guggenheim de Bilbao é sentir-se diante tal peso. Ali estão dispostos oito trabalhos do escultor norte-americano Richard Serra feitos especificamente para a maior e mais importante sala deste museu, com 130 metros de comprimento e 24 de largura. Com alturas que chegam a quatro metros e extensões que chegam a trinta, as esculturas de ferro oferecem a experiência imersiva que esperamos dos monstros tubulares de Serra: não apenas contemplá-los, mas mergulhar neles e sofrer as consequências.

Ao caminhar pelas passagens entre as monumentais torções elípticas e espirais em placas de metal é comum perder o senso de equilíbrio e direção. Os círculos e corredores que pesam toneladas e parecem flutuar em ângulos impossíveis, sugerem forças que nos puxam ao solo e, noutros momentos, nos elevam. Não são labirintos, uma vez que só podem ser cruzados numa direção. Acabam sendo bem mais desorientadores que um.

A geometria abstrata de Serra projeta eixos diferentes no solo e no topo das estruturas, criando um espaço retorcido ao nosso redor. Esse caminho pode provocar claustrofobia, ascese, inquietação, urgência, vertigem. O efeito psicológico dessa reorganização brutal do espaço é evidente: ao final estamos profundamente acordados. É quando as engrenagens dos nossos relógios costumam parar.

Se quando era jovem, tinha febre lendo certos romances de Dostoievski, hoje em dia, atravessar estas placas de metal me provoca reais crises de pânico. E depois perguntas, talvez um novo ponto de vista. Na experiência que Serra propõe, esta reflexões são acompanhadas –ou estimuladas– por sensações extremamente físicas. Não trata-se de uma experiência contemplativa: somos atores a navegar no espaço radical criado por ele. Através de ângulos rabiscados numa folha de papel, e depois transformados em toneladas de ferro numa fábrica na Alemanha, o artista manipula nossas emoções como um dramaturgo que usa uma calculadora e três eixos num gráfico. As esculturas imersivas de Serra têm algo de teatral, algumas dessas inclinações angulosas são puro melodrama.

Depois de duas ou três horas ali dentro, penso que talvez o edifício dispensável do Frank Gehry, a revitalização de Bilbao nos anos 90 e todo o País Basco, a Península Ibérica e mesmo a Europa (lembro agora da migração do pai do artista de Mallorca para a Califórnia) tenha existido apenas para culminar nesse museu dentro do museu. A sala do Richard Serra em Bilbao, "A matéria do tempo", é o corpo de esculturas em exibição mais importante da arte contemporânea. E tão cedo não deixará de ser.


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