Folha de S. Paulo


Adeus, Rio de Janeiro

A partir desta semana, meus voos partem de Guarulhos. Pensei em não escrever sobre minha mudança neste caderno, mas, como muita gente pergunta por que abandono uma das cidades mais belas e turísticas do mundo para ir morar na terra da garoa em tempos de aridez, não há jeito.

O timing é ruim e é maravilhoso. Com sorte vejo a distopia chegar do alto da minha janela no Copan e me junto ao sedento bloco do apocalipse zumbi tomando a República sem luz a tempo do Carnaval. E confesso: melhor do que sufocar no balneário de San Sebastián. Venho a São Paulo em busca de oxigênio. Não é o paraíso, mas ao menos é um novo purgatório.

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Pesquisa recente da FGV diz que o Rio de Janeiro não apenas tem recebido mais turistas como mais executivos –33,2% dos estrangeiros que vieram ao Brasil a negócios entre março e agosto de 2014 contra os 16,7% de São Paulo. Por mais que os números possam ter sido inflados pelos movimentos de Copa e Olimpíada, eles indicam que empresários não tomam decisões erradas somente por aqui. É que trabalhar no Rio anda cada vez mais difícil. Nossa vocação para a nobreza e o conchavo acabou nos transformando numa cidade periférica no extremo-ocidente –perfeita para o culto do ócio de aposentados, servidores públicos ou gringos muito pacientes, generosos e com gosto para o exótico.

Caso você queira fazer negócio de verdade, recomenda-se vestir guardanapos na cabeça e cultivar cordial relação com lideranças políticas alugadas por empreiteiros, lobistas associados a belzebu, milicianos e pastores neo-pentecostais lavadores de dinheiro. Os camarotes da Marquês de Sapucaí semana que vem são um bom começo: a festa é organizada pela máfia da contravenção, bancada com dinheiro público e transmitida pela Hollywood local. Os três poderes representados.

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A política da prefeitura carioca de transformar todos os habitantes da cidade em turistas, priorizando a grana e o lobby de projetos marqueteiros e excludentes, tem transformado o balneário numa cidade ainda mais cara. E, se temos o pior sistema de transporte público do Brasil (é a cidade onde mais se demora a chegar ao trabalho no país), o que dizer da qualidade dos serviços e da nossa mui cara esculhambação? Esse é o principal problema em nascer num cartão-postal careado: acaba-se pagando muito caro, e todos os dias, por algo que não corresponde à fotografia.

É destino melancólico para um lugar que poderia ser a capital cultural do Brasil e do hemisfério sul do planeta. Os maiores artistas brasileiros do século 20 se não nasceram no Rio, moraram ou aconteceram por lá. Hoje, os escassos talentos da província estão à venda e o preço é baixo. Seus pensamentos cheios de fórmulas e receitas velhas, curvados aos fortes, às ideias vencedoras e antigas. As exceções são raras. Como raras as publicações que não contribuem para mascarar a realidade através de manipulações grosseiras. E raros os jornalistas e intelectuais que não se curvam a uma estrutura notoriamente corrupta. Parecem ter medo de perder a boquinha e a pulseira da área VIP.

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A praia zoneada, o taxista desonesto, a megalomania, a comida cara e vagabunda: disso tudo terei saudade.


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