Folha de S. Paulo


Teto dos gastos é boa ideia, apesar de previsões de dano a programas sociais

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 31-08-2016, 17h00: Os ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Dyogo Oliveira (Planejamento) durante coletiva de imprensa para falar sobre o orçamento para 2017, no Palácio do Planalto. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
O ministro da Fazenda Henrique Meirelles durante coletiva de imprensa no Palácio do Planalto

Este ano o deficit do governo será 10% do PIB. Ou controla-se o gasto. Ou impostos sobem. Ou ambos. As alternativas são calote e inflação.

Parte da estratégia do governo é limitar o gasto público por lei.

A Proposta de Emenda Constitucional 241, PEC do teto dos gastos, restringe o aumento do gasto primário –aquele que não conta os juros– à inflação do ano anterior. É uma camisa de força.

No passado recente caímos, de novo, no canto da sereia do moto-contínuo. "Se gastar, o crescimento virá". Veio, mas foi o espetáculo do desemprego. Agora precisamos nos amarrar no mastro.

Que Dilma e seu grupo afundaram o barco poucos discordam. Mas como poucas pessoas conseguiram fazer tanto dano? E as travas institucionais? E as restrições informais, como a competição política e o mercado financeiro?

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi insuficiente. Enquanto a sereia cantava, a LRF virava uma chacota ciclista. O mercado financeiro identificou a chacota no começo de 2013. Levou dois anos para disciplinar o governo. As agências de risco tirariam o grau de investimento somente em setembro de 2015. Credores e agências de risco nem sempre têm apetite para punir devedores oportunistas.

O cidadão tem dificuldade de punir as malandragens contábeis do governo. O tema pedaladas é intrincado até para especialistas.

O eleitor reelegeu Dilma, premiando a chacota. Depois que o estelionato eleitoral se materializou em recessão e desemprego, as pesquisas de opinião e o ronco da rua puniram Dilma. Não o eleitor.

Por isso a PEC é uma boa ideia.

Diferentemente da LRF, ela força o governante a enfrentar a restrição orçamentária por lei. Não é de graça, claro. No mundo ideal haveria flexibilidade total para fazer política fiscal anticíclica. Seria lindo ouvir o canto da sereia sem atar os braços.

A PEC não é panaceia. Reformar a Previdência é ainda mais importante. Por sinal, a reforma previdenciária tornará mais crível o teto.

Há o temor de que a PEC provoque cortes na área social. A sereia virou Cassandra. Mas estou otimista.

Devem-se preservar os programas sociais para não castigar quem mais precisa. Há muito gasto ineficiente e injusto para cortar antes. Exemplos: subsidiar campeões nacionais; recurso para empreiteira fazer estrada com os camaradas do MPLA em Angola; desonerações atabalhoadas para o setor industrial; salários elevados para servidores públicos.

Enrolada na bandeira, a sereia dizia que os gastos "adensariam" as cadeias produtivas, criando e mantendo empregos de qualidade.

A ideologia misturou-se ao oportunismo para fomentar uma atividade econômica danosa: extração de rendas criadas pelo governo. A sereia é amiga do rentista.

Os rentistas seguramente tentarão manter seus subsídios a todo custo. Mas quem teria coragem de cortar o Bolsa Família ou o SUS? Os programas sociais são intocáveis por razões eleitorais. Ao contrário das filigranas inexpugnáveis da lei fiscal, o eleitor identificará facilmente os cortes na área social e punirá o governante. Para isso a disciplina funciona.

A PEC explicitará a carestia. O instinto de sobrevivência dos políticos evitará cortes substanciais nas áreas sociais. Perderão os verdadeiros rentistas. Mas e os outros "rentistas", os que "vivem" dos juros altos que o governo paga? Mais da metade do deficit é juros. A PEC exclui os juros. Próximo artigo.


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