Folha de S. Paulo


O lugar do caos

Carolina Antunes/Xinhua
(160912) -- BRASILIA, septiembre 12, 2016 (Xinhua) -- Imagen cedida por Presidencia de Brasil, del presidente brasileño, Michel Temer (d), acompañado por el ministro Ricardo Lewandowski (i), participando durante la sesión solemne de posesión de los ministros Cármen Lúcia y Dias Toffoli en los cargos de presidente y vicepresidente, respectivamente, del Supremo Tribunal Federal (STF) y del Consejo Nacional de Justicia, en Brasilia, Brasil, el 12 de septiembre de 2016. (Xinhua/Carolina Antunes/Presidencia de Brasil) (da) (vf)
Ministro Ricardo Lewandowski

A cada fato novo, segue-se uma situação tumultuosa, confrontos, confusão de conceitos, trombadas e agressões às regras vigentes. Quem ainda se importa com esse estado de coisas, transita entre a perplexidade e o desalento, indagando aqui e ali, indagando-se, sempre em vão. Quem nunca se importou, ou cansou de se importar, com a apatia dá a mais eficaz contribuição para a continuidade, senão o aumento, do país desgarrado. E não está menos inquieto do que aqueles outros, porque seus olhos e seus ouvidos não estão imunes ao que se passa, no transtorno inquietante e indiscriminado.

Uma decisão do Supremo desprovida de coragem e de reflexão, por exemplo, dá um novo poder ao Senado, com a preservação imprópria da presença de um senador que, assim rearmado, cria uma crise no seu grande partido, racha-o, e abala a composição do governo. Acaba aí? Não. Nem é certo que venha a ter fim em tempo previsível. A decisão insatisfatória do Supremo permite, ou requer, a extensão judicial do que deu a Aécio Neves: políticos do Rio presos e acusados de corrupção são libertados pela Assembleia fluminense, em imitação ao decidido no Senado. Desponta novo braço da crise, entre Assembleia, Judiciário fluminense, partidos e o Supremo. Um círculo perfeito.

O governo faz das "reformas" um meio de picaretear apoio de "quem tem dinheiro", como diz a crueza do neoliberal Gustavo Franco, para o Michel Temer de 3% de aceitação pública, recordista planetário negativo. A legislação do trabalho, nos seus 77 anos, tem o que ser melhorado, para patrões e empregados. Mas o governo amontoa alterações a granel, com a parcialidade esperável, e manda ao Congresso, que apenas remexe a salada.

Ninguém sabe como aplicar aquilo: a inquietação está nos beneficiados e nos prejudicados. O governo emite medida provisória com as correções mais prementes. Piorou: houve troca de erros por erros. Os assalariados continuam sem saber como e quanto perdem, os empregadores sem saber usar seus novos meios de ganhos. E como a população ativa compõe-se dos dois segmentos, a "reforma" é uma imensa perturbação. A idiotia do governo não relaxa.

Há mais de três anos discute-se a delação premiada. Seu uso descriterioso, em numerosos casos, deu ao pagador da extorsão ou do suborno sentença muito mais pesada que a do recebedor, o qual, ainda por cima, deliberou provocar o desvio de centenas de milhões, ou bilhões mesmo, da Petrobras e de outros cofres da riqueza pública. Os prêmios fixados por procuradores da Lava Jato foram avalizados pelos dois relatores do Supremo, sem dificuldades, até que a imunidade judicial dada aos bilionários Joesley e Wesley Batista causou escândalo. A Procuradoria-Geral da República, ao tempo de Rodrigo Janot, e os ministros Teori Zavascki, Edson Fachin e Cármen Lúcia, pelo Supremo, deram à lei da delação frequente flexibilidade.

O ministro Ricardo Lewandowski negou-a, relatando agora o acordo de delação do marqueteiro Renato Pereira, do grupo de Sérgio Cabral. Devolveu-o à Procuradoria-Geral, por nele encontrar desacordos com a legislação. É o papel que a lei da delação lhe atribui. O acordo, a despeito das trapaças financeiras que o motivam, concede ao "sentenciado" até o direito de viajar quando quiser. A restrição é só dormirem casa durante um ano –se não estiver em viagem.

A devolução do acordo não impede a delação nem prejudica o inquérito, apenas exigindo a correção. Apesar disso, Rodrigo Janot, que encaminhou o acordo, lança suspeita sobre a atitude de Lewandowski: "Será que as investigações foram para rumos indesejáveis?". Maldade por maldade, há outra pergunta possível: será que Rodrigo Janot, com sua generosidade de premiador, queria combater ou mostrar que a corrupção vale a pena? Por hora, com o desastre para o país e os prêmios a quem o prejudicou, a melhor resposta é a pior das duas.


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