Folha de S. Paulo


Contrapartidas dos Estados são intervenção branca do governo federal

Itawi Albuquerque/Futura Press/Folhapress
Michel Temer durante lançamento em Maceió (AL) de programa para combater os efeitos da seca
Michel Temer durante lançamento em Maceió (AL) de programa para combater os efeitos da seca

Já não bastam a incompetência e o final de ano com resultados econômicos e sociais opostos ao prometido. Michel Temer e seu desgoverno agora querem ser também autoritários.

Derrotados nas pretendidas imposições aos Estados em grave situação financeira, todas substituídas no Congresso por um projeto de recuperação, o ministro Henrique Meirelles decidiu e Michel Temer adotou a continuidade das exigências derrubadas.
Acrescentou o veto presidencial à proposta parlamentar. O veto vai à apreciação no Congresso, para aceitá-lo ou para restaurar o texto ali aprovado. As exigências, o governo procura outro modo de restabelecê-las.

Ocorre que, sob a falsa denominação de "contrapartidas" às providências federais, o governo quer impor aos Estados uma reprodução do retrógrado "ajuste fiscal" que é o seu programa econômico. Para os Estados, porém, não é só uma exigência de medidas reacionárias.

A "contrapartida" é, de fato, uma intervenção branca do governo federal na administração estadual. A participação federal na solução de situações estaduais críticas é obrigação, não é favor e não deveria ser política: a arrecadação federal provém dos bolsos de pessoas dos estados e dos municípios, e de suas atividades.

"Contrapartida", aí a palavra cabe, é o que o governo federal tem obrigação de fazer nas necessidades dessas fontes da sua riqueza.

Além disso, já ninguém se lembra, este país é uma República Federativa. Nem o centralismo monstruosamente deformante poderia legitimar uma intromissão do poder central no que compete à autonomia de cada parte federada.

DAS CRISES

Que espécie de situação estamos vivendo, afinal de contas, é uma questão que mereceria estar em debate, não fosse nossa decadência também cultural. O professor Oscar Vilhena, como sempre, faz a sua parte. No artigo "A perigosa retórica da crise" (Folha, 24.dez), considera "difícil discordar de que vivemos uma crise, a questão é se é institucional".

A ser ver, não é. Uma pequena frase talvez sintetize bem os seus numerosos argumentos: "As instituições não entraram em paralisia e as liberdades democráticas não foram suspensas". O complemento ilustrativo: "Parece pouco, mas basta olhar para Turquia e Venezuela para entender o que é uma verdadeira crise institucional".

Nesses países, suponho, há mais do que crise institucional. Há crise das instituições. A sutileza da diferença vocabular é só aparente. A rigor, uma crise das instituições é também crise institucional. Mas crise institucional não é necessariamente crise das instituições.

Os três Poderes, diz aqui a Constituição, são independentes e harmônicos. Em situação, vá lá, de normalidade. Não é o que se passa nos Poderes. Entre o Congresso e o Judiciário, nem aparência de harmonia pôde ser preservada. E a desarmonia, para dizer o mínimo, corre alto risco de agravamento, em razão de inquéritos e julgamentos de políticos no Supremo.

A configuração atual do Executivo está pendente de um Congresso instável e das relações dependentes de fatores passíveis de deterioração repentina, tal é a massa de interesses heterogêneos ou divergentes de uma parte e outra. No interior do próprio Supremo Tribunal Federal, e entre ele e o Ministério Público Federal, há disfunções que chegam até à opinião pública. E por aí se poderia ir bastante longe.

As instituições fundamentais do regime e seus respectivos complementos vivem, entre si, confrontações que, à falta de harmonia e de perspectiva de alcançá-la, configuram uma situação de crise. Crise entre instituições: crise institucional. Mas não crise das instituições, as quais, em si mesmas, estão íntegras, estáveis e sem risco. Incluída a instituição militar.

Crise das instituições e crise institucional: a primeira ameaça o regime; a segunda, não.

Vivi muitas crises das instituições. Hoje, creio testemunhar mais uma crise institucional.


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