Folha de S. Paulo


Fáceis, mas problemas

O quiproquó entre a delação do empreiteiro Léo Pinheiro e Guilherme Leal (empresário da Natura), a propósito de doação para Marina Silva na campanha presidencial de 2010, decorre da incontinência da Lava Jato para "vazar" acusações sem os complementos esclarecedores. Seja porque desnecessários para o seu objetivo, seja por nem os ter para dar. É grande a probabilidade de que numerosos casos assim se mostrem quando os processos da Lava Jato cheguem, em julgamentos ou em recursos, a outras instâncias judiciais.

O "vazamento" atribui a Leal e a Alfredo Sirkys o pedido, à OAS de Pinheiro, de uma doação sem registro, portanto ilícita, para Marina. O empresário negou com veemência a afirmação. A notória seriedade de Guilherme Leal e de sua empresa dá maior crédito à sua negação. A lógica também o apoia: como candidato a vice de Marina, Leal fez à campanha doação legal superior a 20 vezes a contribuição da OAS, de apenas R$ 450 mil, convindo a ele e à campanha apresentar mais doadores. Mesmo que empreiteiros, como outros doadores registrados.

Não se tem como afiançar um ou outro lado, por falta do esclarecimento necessário. Seria simples, porém, fazer o "vazamento", desejado na Lava Jato, sem suscitar dúvida e sem o risco de injustiças. Não haveria o sensacionalismo tão procurado, é verdade. Mas bastaria verificar na contabilidade da OAS a saída daquela importância e a possível entrada na prestação de contas de Marina à Justiça Eleitoral. Por que isso não consta das afirmações "vazadas" pela Lava Jato, ou nem foi providenciado, é parte de um método de ação tão aplaudido por facciosismo quanto inadmissível pela ética.

Um problema nas delações e "vazamentos" da Lava Jato decorre de uma obviedade para quem, algum dia, quis saber como são operadas as campanhas eleitorais. Sua movimentação financeira é intensa e, para certos cargos, é alta. Apesar dos registros contábeis imediatos, no final é que será ajustada e montada a contabilidade para a Justiça Eleitoral. Com isso, os empreiteiros sabem o que deram, mas em geral não têm certeza do que foi ou não legalizado pelo candidato ou o partido nas prestações finais de contas. O que não está na de um, pode estar na do outro. Ou, devendo estar em alguma, não aparece: caixa dois, ilegal.

Variações assim tornam necessário aguardar novos procedimentos judiciais para saber o que ficará como veracidade nas delações e nos "vazamentos" indiscriminados. E ainda no facilitário de deduções ansiosas por acusar. Nessa espera, aliás, surgiu a maior novidade da Lava Jato nos últimos tempos: a mudança de estilo do procurador-geral Rodrigo Janot.

Os dois últimos antecessores de Janot, Antonio Fernando de Souza (hoje principal advogado de Eduardo Cunha) e Roberto Gurgel deixaram no cargo uma imagem de exaltação e pouco equilíbrio que o novo procurador-geral veio mudar. A combinação de comedimento e firmeza trazida por Janot, porém, desaparece com rapidez, contaminada por modos típicos da Lava Jato.

A mais recente evidência da mudança levou-a a ficar bem caracterizada na decisão, elegante mas enérgica, do ministro Teori Zavascki sobre a prisão de José Sarney, Renan Soares e Romero Jucá, pedida por Janot. Zavascki considerou que "ao contrário do que sustenta o procurador-geral da República, nem se verifica situação de flagrantes crimes inafiançáveis, (...) nem há suficiência probatória apta" na fundamentação do pedido. Impossível imaginar que Janot não conhecesse tais carências. Chegou, no entanto, a afirmar no pedido que os três estavam "executando meios de embaraçar (...) a investigação criminal".

Entre pensar em, desejar e sugerir, como fizeram os três, e estar "executando", a distância é igual à existente entre o equilíbrio devido e propósitos tão reprováveis quanto o desejo de prender por prender, por possuir o poder de fazê-lo, por um ressentimento, algo assim. Como sabia o Rodrigo Janot de poucos meses atrás.


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