Folha de S. Paulo


Buracos à vista

A inconsistência das delações premiadas ficou demonstrada já na primeira sessão do Supremo Tribunal Federal em tema importante da Lava Jato –abertura de ação penal por corrupção contra o presidente da Câmara dos Deputados, o segundo na hierarquia de sucessores do(a) presidente da República.

Entre a acusação do procurador-geral Rodrigo Janot e a defesa feita pelo advogado Antonio Fernando de Souza, ficou mais do que a divergência esperada. Há um profundo buraco criado pela delação premiada e mantido por falta de investigação capaz de preenchê-lo, com a necessária confirmação ou negação do delatado.

Um dos fatos adotados pela acusação como prova de que Eduardo Cunha recebeu ao menos US$ 5 milhões, subornado para não obstruir a contratação de dois navios-sonda pela Petrobras, é uma reunião descrita pelo delator Fernando Soares. Presentes Cunha, levado na carona por Soares, e Julio Camargo, para cobrança a este lobista do suborno devido aos dois, sendo maior a exigência do deputado.

Com bastante ênfase, Rodrigo Janot citou as "provas investigadas" da reunião: o pagamento da garagem no Leblon para o carro de Soares e o plano de voo do avião de Julio Camargo para o Rio, ambos com a data do encontro. Não há por que desmentir a ocorrência da reunião com as três presenças e também sua finalidade, mas as "provas" da acusação não provam o que interessa no encontro: o carro de um e o avião do outro não atestam a presença de Eduardo Cunha. Talvez fosse difícil comprová-la, mas para esse problema a Lava Jato é formada por policiais e procuradores.

Mal começo. E não foi o pior nele. Houve também um buraco literal. O advogado Antonio Fernando de Souza, ele próprio o procurador-geral que deixou numerosos buracos como acusador no processo do mensalão, lembrou que Fernando Soares repeliu a descrição do tal encontro naqueles termos, quando lhe foi apresentada a redação dada na Lava Jato em setembro de 2015. Mas esse trecho contestador do novo depoimento foi omitido pela acusação apresentada ao Supremo.

Não é a primeira omissão injustificável, em transcrições feitas no âmbito da Lava Jato, de trecho que pode ser importante tanto para a configuração dos fatos, como para a defesa. E ainda que não fosse uma coisa nem outra, é outra omissão comprometedora dos rigores necessários. O procurador-geral Rodrigo Janot não respondeu a Antonio Fernando.

Em 20 horas, Eduardo Cunha viu ruírem mais de cem dias de manobras protelatórias contra o processo ameaçador no Conselho de Ética da Câmara e, no Supremo, contra a abertura de ação penal que o investigará por corrupção, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal, no mínimo. Há outras acusações a caminho.

Em mais 20 horas, Eduardo Cunha verá julgada, ainda no Supremo, sua permanência na presidência da Câmara. Não me arrisco a imaginar o resultado. O que pode parecer uma forma de elogio aos ministros julgadores, mas antes decorre de desconhecer o que o procurador-geral Rodrigo Janot terá a dizer na ocasião. Daí por diante, porém, o que se passará na Câmara será mais atraente do que o período morno de depoimentos e investigações pedidos pelo Supremo. Entre os deputados, Eduardo Cunha e seus legionários iniciam logo nova batalha, com manobras redobradas por se tratar, agora, da defesa final do seu mandato. O governo que se cuide, porque o arsenal de pautas-bombas tem reservas.

A situação moveu-se, afinal. Mas é preciso esperar para ver em que direção.


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