Folha de S. Paulo


Apenas, e até o fim, um profissional

Causei preocupação involuntária ao procurador federal Sergio de Almendra Cavalcanti. Não me imagino capaz de desfazê-la, e talvez nem o desejasse: procuradores preocupados estão no seu melhor papel, o ideal é que assim estejam sempre. Mas proponho uma questão, objetiva e simples.

Se alguém dissesse de um trabalho sério feito por procurador, como Almendra Cavalcanti, que apenas o fez para "defender seus amigos" de determinado partido, não o estaria insultando?

Foi, em referência a mim, o que o leitor Eduardo da Rosa Borges fez, a propósito de pequeno artigo com fatos acrescidos de argumentos que, com muito mais autoridade, inúmeros juristas, advogados e ministros de tribunais superiores têm repetido, e escrevi: é preciso juntar às delações premiadas as provas, sem as quais é difícil haver condenação. E, no dizer dos próprios procuradores da Lava Jato, publicamente, ainda faltam as provas, passado mais de ano dessa operação. Só há pouco, o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, determinou a quebra de sigilos de pessoas ligadas ao senador Renan Calheiros, o que poderia estar feito e esclarecido há meses.

Acusar um jornalista profissional de escrever para "defender seus amigos" —"do PT", como disse aquele leitor, ou de qualquer partido— é acusá-lo de indignidade profissional e imoralidade pessoal. Como seria, também, se acusação semelhante fosse dirigida a um procurador federal.

Não foi por aquele leitor "discordar dos argumentos do colunista", na suposição do procurador Almendra Cavalcanti ("Painel do Leitor", 20.mai), que o apontei como fascistoide. A mensagem acusatória daquele leitor não conteve argumento. Tive três razões para a maneira como o qualifiquei.

Nenhuma regra do jornalismo, da prestação de serviços ou da conduta pessoal sujeita alguém a ser agredido por insulto sem ter o direito de devolvê-lo. Vivi os 21 anos em que esse direito esteve expropriado. Não está mais.

Além disso, a inadmissão, seja por quem for, de que alguém escreva algo que o desagrade é conduta prepotente, autoritária, de um direitismo boçal —e intransigentemente inaceitável. É expressão do desejo de opressões, aumentadas as existentes e recriadas outras, que só desgraçaram este país e vão na contra-corrente de uma sociedade que precisa civilizar-se um pouco, antes que se perca de vez.

Ainda uma razão: para me insultar, aquele leitor inverteu o sentido do que escrevi, dando-o como contrário ao esclarecimento da corrupção na Petrobras e, portanto, dando-me como defensor da corrupção. Método típico dos fascistoides de direita e de "esquerda".

O "Painel do Leitor" não publicava mensagens grosseiras, mas parece que uma corrente grande de leitores nem permite mais esse cuidado. Melhores conhecedores da internet do que eu atribuem a irrupção da agressividade insultuosa, crescente contra autores e entre os próprios leitores, ao bruto linguajar comum nas redes, e estendido a manifestações como o "Painel do Leitor". Note-se que esta seção democrática da Folha, condicionada pelo espaço e por decisões de edição, publica apenas parte da correspondência dirigida ao jornal e a, ou sobre, autores. A tempestade de impropérios arquivados é grande.

No que se refira a mim, vou, a meu juízo, ignorar ou devolver a agressão. Não só como jornalista profissional e como pessoa: também em respeito à liberdade de expressão que aqui, do dia em que cheguei há mais de 30 anos até este fim de percurso, procuro usar com toda a responsabilidade de que seja capaz.


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