Folha de S. Paulo


Além da divisa

A ordem do ministro Teori Zavascki e o pedido do procurador-geral da República para uma operação de busca dentro da Câmara e em dependência de documentação dos deputados, tal como as buscas e apreensões que surpreendem suspeitos, compõem muito mais do que uma ação especial. Ao que me conste, jamais algo sequer parecido ocorreu na Câmara fora das situações de golpe e das ditaduras.

Em condições normais, o ministro Zavascki requereria ao presidente da Câmara as informações e documentos encontráveis no Serviço de Informática. Mas as condições eram (e persistem) anormais, a exigir uma operação necessariamente de surpresa: o objeto da busca, e de investigações paralelas, é o próprio presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Apesar dessa circunstância peculiar, a busca na Câmara, que é dotada de Polícia Legislativa para não ser campo policial de outro Poder, causa no mínimo estranheza. E não fica no mínimo. Nem toda a legalidade que avalize o pedido do procurador-geral Rodrigo Janot e a decisão do ministro Zavascki é capaz de obscurecer a radicalidade da medida. Dois dos três alicerces institucionais do regime puseram-se em questionamento mútuo e frontal.

O corporativismo da Câmara é forte, sempre. Exacerbá-lo, e apresentar-se como sua representação, tem sido a habilidade primordial de Eduardo Cunha para fazer e manter a liderança com que conduz a maioria absoluta da Câmara, incluída a pretensiosa bancada do PSDB. Já por aí caberia esperar tanto o ressentimento da Câmara com o Supremo, como a tentativa de respostas.

Há, porém, mais ingredientes merecedores de atenção. Além da preservação incólume de sua liderança na Casa, Eduardo Cunha precisa defender a si mesmo, como pessoa, da suspeita que o tornou processado a partir da Lava Jato. E agora agravada com a constatação, exposta por Rodrigo Janot, de que são infundadas as datas referidas por Eduardo Cunha como defesa: os dois requerimentos de informações que em 2011 pressionariam empresas contratadas da Petrobras, para soltarem dinheiro, comprometem primeiro a computação do gabinete de Eduardo Cunha, e não a de outro equipamento. Os arquivos de informática da Câmara o comprovariam.

Os requerimentos não foram assinados por Eduardo Cunha, mas pela então deputada Solange Almeida. De reconhecida proximidade com Eduardo, desde a política fluminense, Solange trocou a Câmara pela Prefeitura de Rio Bonito, município vizinho da Região dos Lagos. A distância atual e a alegação de que "não sabe por que fez os requerimentos de informações", contra as empresas Mitsui e Toyo, não servem ao deputado. A administração de Solange fez a ruína financeira do município e a sua, política e moral, valendo-lhe processo por improbidade e ameaça de impeachment. As assinaturas de Solange mais agravam do que inocentam.

Eduardo Cunha está se fazendo tão polêmico quanto deseja e bastante mais do que os riscos de maus resultados admitiriam. A busca na Câmara põe diante dele e da Câmara um veio institucional sensível e extensivo. Se explorado com a combinação de ousadia, que não falta, e desespero, que pode haver, dá no imprevisível.


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