Folha de S. Paulo


O caixa e a gaveta

O aviso de votação da reforma política daqui a quatro breves semanas, feito por vontade pessoal de Eduardo Cunha, encontra a Câmara em indefinição a que só uma evidência escapa: derrotado por antecipação, com isso o PT tem a paradoxal recuperação, embora efêmera, do status de poder decisivo na Casa.

Está bastante aceita a explicação de que a pressa do presidente da Câmara quer manter as doações de empresas a candidatos. A votação a respeito no Supremo já está decidida por seis votos a um, contra essas doações geradoras de corrupção, porém com a votação inconcluída. E de repente a eficácia da atitude de Gilmar Mendes, que retém o processo há mais de ano porque defende as doações empresariais, ficou ameaçada pelo presidente do tribunal: Ricardo Lewandowski decidiu pautar para conclusão as votações retidas em transgressão ao Regimento do Supremo. Eduardo Cunha corre.

Nenhum dos partidos maiores tem posição firme sobre o ponto central da reforma, que é a modalidade de processo eleitoral. O PT é adepto do voto em lista feita pelo partido, retirando do eleitor o direito de apoiar um determinado candidato. Não há endosso notável a tal modalidade, o que derrota o PT desde logo mas o situa como a força capaz de decidir, com sua adesão, a vitoriosa entre as outras propostas.

Em princípio, a preferência do PMDB pela eleição dos mais votados, e pronto, sem que sobras de um elejam derrotados, conviria também ao PT. Não é, porém, o que sua cúpula pensa. Fixada no voto em lista, indica tendência a apoiar o sistema alemão, chamado distrital misto. Ou seja, eleição de metade dos deputados e vereadores por lista, outra metade pela escolha de um representante em cada distrito dos que dividam os Estados e os municípios. É um processo mais complexo do que convém ao eleitorado brasileiro, mal serviço de informação e de interesse por votar bem.

O PSDB não está definido entre os dois sistemas distritais. E muito menos se definem os pequenos partidos, hoje em dia apenas submissos à orientação de Eduardo Cunha, o mais ativo militante da eleição simples dos mais votados.

Nessa falta geral de nitidez, o PT ganha a condição de pêndulo decisivo. Mas não há indício de que o seu comando aproveita esse poder passageiro para obter algo do muito que, por outro modo, não alcança mais.

ENFIM

Mesmo o PSDB age pela aprovação no Senado, amanhã, do professor Luiz Edson Fachin para a vaga deixada no STF por Joaquim Barbosa. Outros indicados por Lula e por Dilma receberam votos da oposição, mas oposicionistas do PSDB e do DEM angariarem apoio ao indicado, Fachin é o primeiro a motivar. A crônica de saber e seriedade que o acompanha explica o apoio incomum.

IVO VIU A UVA

Em nota na terça passada, pulei a palavra "licenciados" em seguida a empregados, na frase "A Mercedes-Benz decidiu demitir 500 dos 750 empregados na sua fábrica de caminhões em São Bernardo do Campo". A leitura na Mercedes-Benz foi de que afirmei ter esta gigante apenas 750 empregados.

Fique claro então: tratava-se da demissão de 500 dos 750 empregados postos em licença (ou "lay off", como entendem lá) à espera da degola ou do clássico presente governamental de redução de impostos para evitar as demissões. Naquele dia, o aviso da demissão levou à greve, interrompida ontem com a prorrogação das licenças. É sempre o mesmo jogo.


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