Folha de S. Paulo


Agitação à vista

Com a esperada instalação, logo mais, de uma comissão especial da Câmara que discuta ideias para uma reforma política, abre-se mais uma frente de confronto e fermentação, inclusive com segmentos que precisarão defender suas recentes e ameaçadas conquistas.

A introdução desses pontos conflituosos na reforma é a motivação básica do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, para tirá-la da imobilidade em que foi trancafiada, desde 2013, na Comissão de Constituição e Justiça. São posições defendidas pelas igrejas evangélicas, às quais Eduardo Cunha está ligado e que lhe deram a boa votação para eleger-se, assim como apoio decisivo para conquistar, há pouco, a presidência da Câmara.

Dois desses pontos se destacam, por seu potencial de agitar opiniões e movimentos, entre os temas sociais: as proibições de aborto e de adoção de crianças por casais homossexuais. Será, se aprovada, a assimilação, pela reforma, dos projetos evangélicos de Estatuto da Família e de Estatuto do Nascituro.

No plano institucional da reforma está o tema que faz Eduardo Cunha pretender apressá-la. É o financiamento das campanhas eleitorais, que o presidente da Câmara quer mantido com doações das empresas privadas, e não por verba pública como o PT propõe, nem por doações em nome pessoal, como pesquisas indicaram ser a preferência da maioria dos eleitores. Eduardo Cunha quer que todo o trabalho parlamentar se desenvolva até setembro –discussões na comissão, elaboração e votações da ou das emendas constitucionais– para permitir que a parte eleitoral da reforma se aplique já nas eleições do próximo ano.

Chamados a decidir qual o modo de financiamento das campanhas coerente com a legislação brasileira, os ministros do Supremo Tribunal Federal já opinaram pelas doações pessoais, e não mais empresariais, por seis votos, um contra e três ainda pendentes. Mas Gilmar Mendes pediu vista e mantém o processo parado em seu gabinete há dez meses. Gilmar Mendes, claro, é defensor declarado das doações em nome de empresas, como convém ao anonimato dos grandes doadores.

Ainda não está vista a verdadeira proporção dos votos com que os evangélicos podem contar, em princípio, na nova composição da Câmara. Sempre há quem lhes dê votos para obter seu apoio, na Câmara ou nas eleições. Mas é caso de esperar que as propostas empurradas por Eduardo Cunha se tornem, muitas delas, batalhas difíceis para os adversários. Os de dentro do Congresso e os de fora.

DE JUSTIÇA

Com tantas manchetes que o delator premiado Pedro Barusco Filho proporcionou contra tanta gente, talvez fosse de justiça algum jornal dar destaque a certa afirmação dele, presente no mesmo vazamento dos US$ 200 milhões do PT. Disse ele que, apesar do envolvimento da Diretoria de Gás e Energia em parte da corrupção, Graças Foster e Ildo Sauer, que lá estiveram, mais do que não participaram dela: não tinham sequer conhecimento das fraudes.

SEGREDOS

Os 50 anos da morte do poeta Augusto Frederico Schmidt levam a uma lembrança breve de sua presença peculiar, muito influente, por exemplo, em Juscelino.

O programa da inauguração de Brasília incluiu um momento depois muito celebrado, pela beleza comovente. Foi o discurso do candango, como eram chamados os operários da obra, em nome de todos os que trabalharam, com mínimos descansos, para erguer a Nova Capital. Quem o escreveu não foi o candango, foi Schmidt. E o candango não era. Foi levado do Rio. Era o barbeiro de Schmidt.

A morte de Schmidt deu-se em situação privilegiada, mas não publicável na época. Suponho que nem o foi depois. Por coincidência, os 50 anos dessa morte caem na entrada do Carnaval: seu coração não resistiu quando o gordo e rico poeta, digamos, versejava com certa madrinha de bateria. Infarto. Não era para menos.


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