Folha de S. Paulo


As linhas da dificuldade

Os ingredientes da conturbação política crescem em número e peso a cada dia, sem cessar. De fontes variadas. Com direções, ou propósitos, que se cruzam e ainda assim se combinam. Que situação é esta? Difícil tentar entendê-la no espaço possível. Tende a dar em quê? Não há como prever.

O peculiar da atual situação começa em que é ilusória a impressão de um bloco de fatores interligados, criando a situação problemática do governo e, em particular, de Dilma Rousseff. O que há, de fato, no assédio que perturba o governo são duas linhas mestras e paralelas. Uma, claro, é o direcionamento, contra o governo, de toda a ressonância proveniente da Lava Jato. Outra são os problemas propriamente políticos, decorrentes do movimento conduzido pelo novo presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

O canhonaço de US$ 200 milhões que o delator premiado Pedro Barusco lançou no PT desvia parte do ataque até aqui dirigido a Dilma, não envolvida pelos delatores, e não ao PT já acusado por vários desde o começo. Foi a escolha útil feita pela oposição e predominante na imprensa. Mas o que abriu caminho a esse desvio foi um erro de Dilma, ao não impedir, e até facilitar, que a Petrobras ficasse tratada, no escândalo, como parte do governo, o que não é.

Com isso, para todos os efeitos, não houve o assalto a uma empresa com direção própria, urdido por grupo de dirigentes seus, mas corrupção no governo. O desgaste causado por esse erro custou muito a Dilma, e repará-lo, se não continuar crescendo, não seria simples. Até porque Dilma corre o risco de receber parte do desgaste a que o PT estará sujeito se a farta parte que lhe cabe na Lava Jato for adiante no escândalo e no processo.

Para o movimento de Eduardo Cunha, a Lava Jato é secundária. Importa-lhe o poder, para efetivar seus objetivos. CPIs lhe serão convenientes, como tudo que enfraqueça Dilma e o PT. A meta, porém, é impedir aprovações indesejadas por grupos que o apoiam, caso do fim de dinheiro empresarial nas eleições, e fazer aprovar um conjunto de projetos, sobretudo referentes a costumes, desejados pelo conservadorismo das lideranças evangélicas.

Ao se dar conta do plano de Gilberto Kassab, na Folha, para dotar a base do governo de um novo e forte partido, Eduardo Cunha mostrou o que o distingue no conjunto dos políticos. Em 24 horas, foi ao encontro do presidente do PMDB, o vice-presidente Michel Temer, para articular contra a esperável fuga de peemedebistas rumo ao novo partido; pediu um jantar-reunião com as principais figuras do PMDB e providenciou a imediata apresentação, feita pelo DEM, de um projeto exigindo cinco anos de quarentena entre a criação de um novo partido e sua fusão com um já existente (como planejado por Kassab). Sob a aparente proteção ao PMDB, tudo para impedir o fortalecimento do governo, e de Dilma, na Câmara.

O cerco oposicionista com uso da Lava Jato tem mais estridência, mas os problemas maiores para Dilma estão na frente política. Sua ação, aí, ou inexiste ou é desastrada e incompreensível. À parte a competência que Aldemir Bendine tenha ou não (jamais ouvi citá-lo a respeito, em seus quase seis anos como presidente no Banco do Brasil), é o oposto do necessário à Petrobras e à própria Dilma neste momento: alguém capaz de boa interlocução com a sociedade, o restante os técnicos fazem. A injusta demissão de Graça Foster, que recebeu, ainda bem, a digna reação de cinco dos seus companheiros de diretoria da Petrobras. Mangabeira Unger outra vez nos ditos Assuntos Estratégicos. O que virá amanhã?

Se a conturbação não se tornar mais do que isso, Dilma Rousseff deverá muitos agradecimentos à adjetivosa oposição.


Endereço da página: