Folha de S. Paulo


Desajustes dos discursos

A CUT, lembra-se?, a CUT vive. Trazê-la de volta à vida, ainda que logo mostre ser apenas um momento nostalgia, foi a única novidade da associação Joaquim Levy/Dilma Rousseff que não feriu direitos de quem trabalha ou trabalhou. E pode até servir aos trabalhadores, nesta e nas previsíveis horas futuras de novos arrochos e outras "medidas corretivas", assim tucanamente batizadas por Dilma.

É dispensável entrar na divergência sobre quantos milhares atenderam à convocação da CUT, para manifestar-se na av. Paulista já na manhã seguinte ao pronunciamento de Dilma. O sentido do ato vale mais.

O pronunciamento de Dilma Rousseff, na abertura da primeira reunião ministerial, foi a adesão à velha lenga-lenga dos apertos agora para as benesses sociais depois. A doutrina FMI, que retardou o Brasil e massacrou a maioria dos brasileiros por 40 anos, da década de 1960 à entrada nos anos 2000, e há pouco desgraçou Portugal, Espanha, Itália e Grécia.

Além das contradições entre atos e palavras, as contradições entre palavras e palavras expõem a encenação do discurso. Diz Dilma que "o equilíbrio fiscal" vai "recuperar o crescimento da economia o mais rápido possível". Joaquim Levy tem repetido que "o ajuste" vai ser "longo, há muito a fazer". Já foram mencionados dois anos de "ajuste". E o que está em questão não é produzir crescimento econômico, é criar distribuição de renda, que o crescimento não traz por si mesmo. Crescer e concentrar em 10% da população, se tanto, a riqueza produzida e os benefícios do crescimento é o que faz o enredo da história do Brasil no século passado.

Vão nessa direção as medidas que introduzem a ação de Joaquim Levy na Fazenda. E assim serão as seguintes, porque a base teórica da sua linhagem em economia o antecipa. Pedro Malan, Gustavo Franco, Armínio Fraga, Luiz Carlos Mendonça de Barros, Alexandre Schwartsman e tantos outros da mesma linhagem que passaram pelo governo jamais permitiram que se ouvisse deles uma só palavra que não se ajustasse ao conservadorismo econômico, logo, também social. Levy, em situação delicada, talvez fale, mas não age.

Disse Dilma que o "ajuste" criará "condições para a queda da inflação e da taxa de juros a médio prazo". E, não mencionou, queda de outras coisas também, como emprego, valor do salário, vários direitos, investimentos com alcance social e mais. Joaquim Levy a contraria e diz que a inflação deste ano será maior que a de 2014. Os juros, idem. Os do cheque especial, que castigam quem trabalha e por falta de reserva cai nessa masmorra bancária, já chegam a 206%. Acima dos 204% que alcançaram naquele ano, o 1999 de Fernando Henrique, em que Gustavo Franco, Francisco Lopes e Pedro Malan se uniram no besteirol que quase destrói o real.

Mas Dilma se refere a "médio prazo". Qual seria? Metade do seu governo, pode ser. Então, como o seu é "um governo dos trabalhadores", os dois últimos anos seriam para a tentativa de recuperação do perdido nos dois anteriores. Ao final, na mais generosa das hipóteses, zero a zero. Para os trabalhadores da CUT, o mesmo que outro 7 a 1.


Endereço da página: