Folha de S. Paulo


Sem fim

A Comissão da Verdade chega nesta semana aos seus dias finais, forçada pela inverdade burocrática de que as verdades se sujeitam a prazos.

A Comissão Nacional da Verdade deveria ser uma das instituições do Brasil democrático. Para ser permanente e ininterrupta. Para tornar a busca da verdade histórica, com suas tantas projeções, parte natural da cultura brasileira. Há muito o que buscar, não se trata só de tortura e assassinatos. No que é dado como História do Brasil, há muito a corrigir, inclusive com pesquisas já iniciadas, muito a esclarecer e lacunas a preencher a partir de pesquisas e estudos merecedores de incentivo.

A verdade histórica não se completa, nunca. É sempre possível encontrar um componente a mais na formação do episódio ou da etapa em questão. Nem é possível saber até onde e até quando procurar. Tais noções pareciam presentes, em certa medida, na ideia inicial de que a abrangência da comissão e suas buscas viesse da ditadura de Getúlio, embora o objetivo imediato fosse a caracterização dos modos e autorias dos crimes da ditadura. Mesmo contra esse estreito objetivo foi aplicado o obstáculo do prazo.

Ainda assim, a Comissão Nacional da Verdade mais do que justificou sua criação, no prazo e nas circunstâncias adversas em que trabalhou. O atestado dessa importância não estará só no seu relatório final, a ser apresentado daqui a três dias. Já está em uma coincidência humilhante para o Brasil. Quando a verdade dos crimes ditatoriais deixa de ser investigada pela CNV, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos notifica o Estado brasileiro por descumprimento das determinações a que foi condenado há quatro anos.

Não é uma notificação simples. Tem mais de 40 páginas de exigências, advertências e acusações. O Brasil é acusado de "perpetuar a impunidade". Contra ela, a Corte reclama a providência, já determinada em 2010, de que a Lei da Anistia deixe formalmente de ser impedimento à investigação dos crimes da ditadura e ao julgamento penal dos respectivos autores.

As comissões para procura de corpos dos mortos no Araguaia são desmoralizadas pela distorção, que a Corte considera inadmissível, de nelas ser incluída a própria instituição responsável pelas mortes e desaparecimentos a serem investigados. O Judiciário brasileiro não se sai melhor: é acusado de "continuar aplicando a Lei da Anistia e o instituto da prescrição como obstáculo contra a investigação das graves violações feitas pela ditadura militar e, assim, não considerar a sentença emitida pela Corte" há quatro anos.

Dilma Rousseff é chamada a realizar os atos de que é devedora: as ratificações do Brasil às resoluções da ONU e da OEA sobre os assuntos da condenação e da notificação.

O relatório final pode encerrar o valioso trabalho da Comissão da Verdade. Mas as mesmas e outras buscas, achados, análises e conclusões vão continuar, queiram ou não os comprometidos diretos e indiretos com os crimes e os criminosos. Vão continuar por outros meios, em menor escala, de modo mais restrito, mas seguem, porque é assim que a História faz a construção infinita da sua verdade.


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