Folha de S. Paulo


Respostas sem berros

As melhores perguntas do momento só podem ter, na hipótese mais otimista, respostas que se limitem a tendências, ainda assim, vagas e fugidias. O que não falta, em comentaristas e no noticiário, são respostas com a pretensão de conhecimento ou de previsões bem refletidas. Especulações e chutes, nada mais. A reviravolta dada por Dilma Rousseff foi tão inesperada e tão extremada que nem a mínima informação segura está disponível na praça. Ou melhor, como convém dizer agora, no mercado.

A pergunta mais repetida: Joaquim Levy terá autonomia ou vai se chocar com as imposições agressivas de Dilma?

Certa vez, ouvi de Mario Henrique Simonsen que suas intenções, quando ministro da Fazenda, com frequência encontravam a divergência do "presidente" Geisel, dado a transformar conversa em discussão. Aos berros. Ia assim a coisa quando, certo dia, Simonsen levantou-se de repente e tomou o rumo da porta. Geisel não entendeu:

"O que é isso? Onde é que você vai?"

"Vou embora. Não posso conversar com o senhor aos berros."

E Geisel, ainda aos berros: "Pois então berra também. Senta aí e berra!"

Em sua passagem pelo Tesouro, Joaquim Levy esteve sempre predisposto a opor-se a gastos desejados por Lula como política social. Aumento real do salário mínimo, por exemplo. Lula é dado a má-criação, mas Levy, ao que consta, defendeu suas posições com todo o comedimento. Era um novato. Hoje tem credenciais, e está elevado a salvador do universo.

Lula não era de dizer "eu quero assim", "quem preside sou eu", expressões que nos últimos anos, diz-se, não foram raras no Planalto. Perguntado, na apresentação preparada para não ter perguntas, Joaquim Levy fez uma afirmação enviesada de que, sim, terá autonomia. Era a resposta obrigatória.

Outra das perguntas: o "ajuste" de Levy não se fará sem mudar os rumos sociais do governo, e como o PT agirá diante disso?

O PT foi um partido de ideia. Resta pouco daquele partido e quase nada da ideia. O governo Lula igualou a conduta partidária dos petistas à dos demais partidos grandes. No governo Dilma, o PT ficou imperceptível, murchou mesmo. O partido do governo foi o PMDB, que se impôs como tal. Não para servir. Para se servir.

São numerosos os focos de indignação com Dilma/Levy. Mas, para o caso de inconformar-se, o PT precisaria refazer sua capacidade de se mobilizar, o que não conseguiu nem para as eleições estadual e presidencial no que era o centro gerador de sua vitalidade, São Paulo. Sem reativar-se, a expressão partidária fica com os parlamentares, que, também reduzidos a políticos convencionais, tendem a jogar por conveniências que ainda não estão claras, entre a acomodação com algum proveito e o medo de desagradar demais o respectivo eleitorado. Mas há também a percepção, embora muito minoritária, de que o partido esboroa e precisa despertar. A tendência predominante, nesse conjunto de hipóteses, não se mostrou ainda.

Mais uma boa pergunta, com elaboração acrescida: os derrotados das três últimas eleições querem retomar o Poder, e a política de Joaquim Levy vai capitalizá-los; e Dilma e o PT, poderão mesmo repetir o primeiro mandato de Lula, cedendo no começo para fazer a festa nos dois anos finais?

O governo Lula foi cercado por conjuntura internacional bastante positiva, estando o seu mérito em aproveitá-la (com Guido Mantega). Hoje, até a fortíssima Alemanha cresce o mesmo 0,1% que o Brasil, com a diferença apenas de que a imprensa de lá não faz disso um escândalo com fins políticos. A recessão abala o Japão, a China está com seu crescimento diminuído. O futuro próximo é incerto.

Além disso, a oposição é comodista e está sem liderança de fato. E o PT acredita que, com ou sem presente de Joaquim Levy para os anos finais de Dilma, Lulalá decide 2018. Mas aí já é a religião lulista, e aprendi que religião não se discute.


Endereço da página: