Folha de S. Paulo


Kim Jong-un ofusca ano decisivo para Xi Jinping

Xi Jinping, presidente da China, atravessa o ano mais desafiador da trajetória iniciada em 2012, no controle da segunda maior economia do planeta. Rompeu tradições políticas domésticas, ampliou o peso no cenário internacional e, neste segundo semestre, enfrenta momentos hercúleos: a crise da Coreia do Norte e o congresso do Partido Comunista Chinês, realizado a cada cinco anos.

No plano interno, Xi se afastou de um dos pilares do regime criado a partir de 1978, com as reformas de Deng Xiaoping (1904-1997), cuja alquimia consiste em manter o poder político nas mãos do Partido Comunista enquanto injeções cavalares de capitalismo levam a China a trepidante decolagem econômica.

Beto Barata/PR
01/09/2017- Pequim - China- Troca de Presentes entre o Presidente da República Popular da China, Senhor Xi Jinping e o Presidente da República, Michel Temer.Foto: Beto Barata/PR DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM
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O roteiro de Deng apoia-se em premissas como abandonar o "paraíso proletário" e priorizar a recondução da China ao status de potência global. A empreitada dependia de abandonar a ortodoxia maoísta, salpicar a cartilha ideológica com nacionalismo e oxigenar a economia, com o risco de, no longo prazo, a modernização da sociedade colocar em xeque o monopólio de poder do Partido Comunista.

No curto e médio prazo, Deng imaginou mecanismos para arejar estruturas de governo, sempre de olho na primazia da elite comunista. Implementou a "liderança coletiva", em contraste com a centralização do maoísmo.

Jiang Zemin e Hu Jintao, antecessores de Xi Jinping, chegaram ao poder em sucessões articuladas por Deng. Deixaram assinaturas tépidas na história ao seguirem a bússola da liderança coletiva.

Xi protagonizou, há cinco anos, a primeira troca da guarda sem influência direta de Deng. Mantém princípios do patriarca, mas reserva espaço para toques pessoais.

Atribui-se a Deng, o comunista da alquimia, a ideia: "Reformas são como andar de bicicleta; se parar de pedalar, você cai". As palavras modelam o projeto de Xi, que simboliza o paradoxo chinês. Avanços da modernização da economia e da sociedade chinesas significam, inevitavelmente, desafios domésticos ao monopólio do Partido Comunista.

Temendo os questionamentos, Xi aposta no endurecimento do regime político e de seu poder pessoal. Com uma mão, moderniza o mercado chinês. Com a outra, intensifica, por exemplo, controles na internet.

No palco externo, a era Donald Trump nos EUA e a onda protecionista ofereceram chance dourada para Xi se credenciar como líder da globalização. Em janeiro, transformou-se no primeiro presidente chinês a discursar no Fórum Econômico Mundial, em Davos.

Em seguida, a China mergulhou em uma torrente de eventos arquitetados para reforçar sua liderança global. Em maio, recebeu dezenas de líderes internacionais para promover ambicioso projeto chinês de investir, mundo afora, em infraestrutura. Há duas semanas, sediou a reunião anual dos países que integram os Brics (além da China, Brasil, Rússia, Índia e África do Sul).

Xi aprofunda a aposta na consolidação como o mandarim do século 21. Deve usar o congresso do partido, em outubro, para chancelar o fortalecimento doméstico. Mas, embora em plena ascensão no plano externo, a crise norte-coreana continua a desafiá-lo.


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