Folha de S. Paulo


A nova arquitetura euroasiática

Enquanto os EUA mergulham no debate doméstico sobre o governo Trump e a União Europeia canaliza esforços para desafios no continente, como o populismo nacionalista e o "Brexit", potências asiáticas e Rússia se debruçam sobre a construção de nova arquitetura geopolítica, para desenhar estruturas voltadas a refletir seu crescente poderio no cenário regional e global.

Na atual miríade de fóruns multilaterais e projetos globalizantes, uma iniciativa despontou há dez dias, com adesão de Índia e Paquistão à Organização para Cooperação de Xangai (OCX), moldura de diálogo político, econômico e militar liderada por Pequim e Moscou.

Wu Hong/European Pressphoto Agency
Presidentes da China e da Rússia, Xi Jinping (esq.) e Vladimir Putin
Presidentes da China e da Rússia, Xi Jinping (esq.) e Vladimir Putin

Foi a primeira expansão do grupo desde sua criação em 2001, em evidência da intenção sino-russa de vitaminar a estratégia, cujo alcance limitava-se, nos últimos anos, a áreas de influência histórica de China e Rússia.

Rivais de longa data, Pequim e Moscou resolveram, nos primórdios do século 21, criar mecanismo diplomático para tentar coordenar a disputa por influência em ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central, como Cazaquistão, Uzbequistão, Quirguistão e Tadjiquistão.

Formou-se então o guarda-chuva batizado de Organização para Cooperação de Xangai, abrigando os seis países, numa iniciativa em que a China, ao se tornar sede, apontava peso dilatado em paragens asiáticas.
A retórica na gênese do projeto trombeteava aliar governos no combate a "três chagas: terrorismo, extremismo, separatismo". O discurso soava como senha de cooperação entre regimes autoritários, empenhados em enfrentar o terror ou adversários políticos.

A OCX se consolidou em marco para a busca por coordenação entre Pequim e Moscou na Ásia Central, foco estratégico do ponto de vista geográfco e por seus recursos naturais.

A China, nas últimas décadas, testemunhava crescimento de prestígio na região, como importante comprador de gás e petróleo, além de potente investidor e exportador de bens industrializados para países em acelerada recuperação, depois de décadas de desastre econômico imposto pelo regime soviético.

Enquanto Pequim se aproxima de vizinhos como Cazaquistão e Quirguistão, a Rússia se esforça para preservar laços históricos com essas repúblicas, sob seu domínio por décadas, mas com influência declinante após o fim da URSS.

China e Rússia, com o embarque indo-paquistanês, abandonam a lógica inicial da OCX, voltada sobretudo para dirimir problemas regionais e afastar a concorrência norte-americana. Sinalizam a estratégia de transformar em continental o alcance da associação, num espaço diplomático para intensificar diálogo e cooperação entre gigantes euroasiáticos.

Países como Turquia, Irã, Egito e Israel já sinalizaram desejo de se aproximar cada vez mais da iniciativa sino-russa. Protagonistas tradicionais do poder transatlântico, Estados Unidos e seus aliados europeus deveriam dedicar, em suas agendas, renovada atenção à emergência da arquitetura geopolítica euroasiática. Trata-se de um sinal inequívoco do século 21.


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