Folha de S. Paulo


Trump alterna pressão e negociação e se afasta de maniqueísmo diplomático

Uma ofensiva de distensão temperou, nos últimos dias, a política externa do norte-americano Donald Trump, ofuscando retórica e ações belicistas do começo de abril, quando a Casa Branca deslanchou ataque contra base aérea do ditador sírio, Bashar al-Assad, assumiu discurso ácido em relação ao Kremlin e aumentou apostas no enfrentamento com a Coreia do Norte.

Depois de intensificar a pressão sobre o governo norte-coreano, nos planos político e militar, Trump descreveu, semana passada, como "uma honra" eventual reunião com Kim Jong-un, condicionando o encontro a "circunstâncias adequadas", sem detalhá-las.

Carlos Barria/Reuters
U.S. President Donald Trump (L) and China's President Xi Jinping walk along the front patio of the Mar-a-Lago estate after a bilateral meeting in Palm Beach, Florida, U.S., April 7, 2017. REUTERS/Carlos Barria ORG XMIT: WAS117
O presidente dos EUA, Donald Trump, se encontra com o da China, Xi Jinping, na Flórida

No dia seguinte, a détente prosseguiu. Trump falou por telefone com Vladimir Putin, no primeiro contato entre eles desde a crise causada pelo uso de armas químicas, na guerra da Síria, no início de abril.

A Casa Branca qualificou o diálogo telefônico como "muito bom", enquanto o Kremlin considerou-o "construtivo". Além da troca de rapapés, a conversa levou ao anúncio, por Washington, do envio de representante a negociações de paz para a Síria, realizadas no Cazaquistão e sob patronato de Putin.

Semanas antes, o secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, havia se reunido com o presidente russo no Kremlin, após mísseis dos EUA atingirem base aérea de Bashar, aliado de Moscou.

Washington apontou o regime de Damasco como responsável pelo uso de armas químicas, na guerra da Síria, e ordenou o ataque.

Após o encontro Tillerson-Putin, Trump chegou a admitir a queda das relações bilaterais a "talvez seu nível de maior deterioração", apesar do flerte antigo com o russo.

O anúncio da viagem inaugural ao exterior de Trump contribuiu também para engordar o movimento da distensão. Com a visita, prevista para final do mês, a Arábia Saudita, Israel e Vaticano, centros fundamentais das religiões monoteístas, Trump procura responder às críticas sobre intolerância na política da Casa Branca, frequentes, por exemplo, durante as frustradas tentativas de impor novos controles de imigração, no começo do ano.

Também em janeiro, no início do mandato, conversa telefônica entre Trump e o premiê australiano, Malcolm Trunbull, terminou mal. Houve um clima de irritação, admitiu o presidente norte-americano, no debate sobre temas migratórios.

Na quinta passada (4), ocorreu o primeiro tête-à-tête após o estresse telefônico. Fui recebido como um integrante da família, sustentou o australiano. Trump também abandonou a retórica do embate nos laços com Pequim e investe na aproximação com o presidente Xi Jinping.

A diplomacia do "America First", lema trumpiano, ainda carece de contornos e objetivos estratégicos mais definidos. Mas acumulam-se sinais de enfraquecimento da influência de Steve Bannon, ideólogo da extrema direita e estrategista-chefe da Casa Branca, disposto a injetar na diplomacia norte-americana isolacionismo e enfrentamento.

Alternando pressão e negociação na política externa, Trump se afasta do discurso maniqueísta de campanha e do começo de mandato.

Começa a mostrar que não apenas de rompantes vive a Casa Branca.


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