Além das ameaças nucleares a países vizinhos e aos EUA, o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, lança tentáculos desestabilizadores no Oriente Médio, onde Israel e Arábia Saudita, por exemplo, lidam com investidas do último bastião do comunismo stalinista.
Mísseis, armas e tecnologias de Pyongyang alimentam arsenais de aliados como Irã e Síria, empenhados em combater "o imperialismo norte-americano".
Ameaçado pelo relógio da história, o ditador Kim Jong-un tenta salvar o regime anacrônico e prossegue a receita, herdada do avô e do pai, de associar o fim de seu poderio a um "big bang" político e militar, com alcance para mergulhar em crise colossal a região da Ásia-Pacífico, principal dínamo da economia global.
Em 1996, quando trabalhava como correspondente da Folha em Pequim, consegui visto de entrada para o "reino eremita" da ortodoxia comunista.
O regime, orgulhoso de portar o rótulo de "país mais fechado do planeta", recebia jornalistas estrangeiros para vender a imagem de um governo politicamente fortalecido e economicamente vitaminado.
A Coreia do Norte buscava, naquele momento, projetar solidez, pois lidava com perdas impactantes: o fundador do regime, Kim Il-sung, havia morrido dois anos antes, e, em 1991, desaparecera a URSS, patrocinadora histórica do comunismo na península coreana.
Após a morte de Kim Il-sung, e com a ascensão do filho, Kim Jong-il, sacramentava-se a sucessão dinástica no mundo comunista, em meio a incertezas de como lidar com o desafiador cenário desenhado pelo esfarelamento da Guerra Fria e da URSS.
Imagens da Alemanha Ocidental engolindo a porção oriental do país, antes sob tutela do Kremlin, reverberavam em Pyongyang e levavam o regime a acelerar a estratégia de sobrevivência apoiada no domínio de bombas atômicas.
Apesar do isolamento crescente no cenário pós-Guerra Fria, a Coreia do Norte encontrou no Oriente Médio terreno fértil para fermentar escassas alianças, baseadas em pilares ideológicos, como o antiamericanismo, e em interesses econômicos, com a possibilidade de venda de tecnologia nuclear e de mísseis, além de armamentos leves, a países como Irã e Síria.
Digitais de know-how norte-coreano foram encontradas na construção, pelo grupo palestino Hamas, de túneis subterrâneos, para infiltrar terroristas em solo israelense.
Já em 1978, a Coreia do Sul descobriu a primeira de uma série de passagens escavadas, na sua região de fronteira, pela dinastia dos Kim.
Na Arábia Saudita, desabaram, dois anos atrás, mísseis produzidos na Coreia do Norte, segundo o serviço de inteligência sul-coreano.
Os disparos de mísseis foram feitos por rebeldes do vizinho Iêmen, apoiados pelo Irã, em resposta ao apoio saudita ao governo iemenita, alinhado às monarquias árabes do Golfo Pérsico.
No complexo tabuleiro do Oriente Médio, a Coreia do Norte também mexe peças.
Desarmar o regime de Kim Jong-un, por meio de um acordo diplomático provavelmente capitaneado pela China, dona de laços relevantes com Pyongyang, traria consequências em escala global, muito além de paragens na Ásia-Pacífico.