Folha de S. Paulo


Trump retoma jogada de Nixon com a China ao se reaproximar da Rússia

Donald Trump, ensaia, na relação com China e Rússia, personificar um Richard Nixon às avessas. Nos anos 1970, na Guerra Fria, os EUA abandonaram pruridos ideológicos e se aproximaram do regime de Mao Tse-tung, para isolar a arqui-inimiga URSS.

Agora, Trump muda a posição das peças no tabuleiro e constrói aliança com Moscou, para colocar pressão sobre Pequim.

O jogo triangular entre Washington, Moscou e Pequim embalou momentos decisivos na disputa por hegemonia global nas últimas décadas. Permanecem os protagonistas, mas mudam as circunstâncias a determinar as interações.

Mike Segar/Reuters
 U.S. President-elect Donald Trump speaks at a
O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, participa de evento para comemorar vitória em Michigan

No governo Nixon (1969-74), prevaleceu na dinâmica entre EUA e China, apesar das abissais diferenças ideológicas, a lógica "o inimigo do meu inimigo é meu amigo".

Direitista histórico, o republicano construiu pontes para chegar à Pequim da Revolução Cultural, com intuito de aproveitar a ruptura entre soviéticos e maoistas, aliados transformados em rivais com a disputa pela liderança do chamado movimento comunista internacional.

Nixon se aliou a Mao para isolar a URSS de Leonid Brejnev, em iniciativa idealizada por Henry Kissinger, mago da estratégia da Casa Branca. Espécie de xeque-mate no tabuleiro da Guerra Fria, a jogada desempenhou papel crucial na desintegração do império soviético.

Donald Trump altera a posição das peças no jogo. Se a URSS despontava como inimigo prioritário em anos passados, o próximo presidente dos EUA avalia a China do século 21 como o mais robusto desafio à hegemonia norte-americana. E, para pressionar os mandarins, arquiteta aproximação com o Kremlin.

A visão trumpiana encontra forte resistência em Washington, onde ainda se entrincheira a percepção da Rússia como principal ameaça geopolítica aos EUA. As acusações de interferência de hackers russos na campanha eleitoral engordam os bolsões empenhados em manter o foco no Kremlin como adversário estratégico da Casa Branca.

Trump, no entanto, dá de ombros à pressão e implementa os primeiros passos em seu novo roteiro. Para irritação da China, namora a ilha de Taiwan, descrita por Pequim como "província rebelde", sem direito, na lógica do PC chinês, a ter laços diplomáticos com outros países.

Divulgação - 3.dez.2016/Reuters
A presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, fala com Trump pelo telefone
A presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, fala com Trump pelo telefone em 3 de dezembro

Com a estratégia taiwanesa, Trump busca colocar o governo chinês na defensiva e arrancar concessões, por exemplo, em relações comerciais. O republicano, na campanha, explorou à exaustão a imagem da China como responsável, com sua industrialização acelerada, por "roubar empregos norte-americanos".

Eleitores de Trump aguardam "vitórias" sobre o gigante asiático. Resta o temor de, em passos mal calculados, Washington mergulhar numa guerra comercial com Pequim.

Trump, apesar da pressão sobre a China, criou uma válvula de escape e indicou para embaixador em Pequim o governador de Iowa, Terry Branstad, que cultiva há três décadas laços de amizade com o atual presidente chinês, Xi Jinping. Conheceram-se, nos EUA, nos primórdios de suas carreiras políticas.

Caberá a Branstad o papel de bombeiro a apagar incêndios nas relações sino-americanas. Certamente terá muito trabalho.


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