Folha de S. Paulo


Erdogan faz ioiô diplomático

Turquia e Israel, ao longo de décadas, desafiaram a lógica da rejeição, prevalente no Oriente Médio e arredores, para construir uma parceria estratégica entre países muçulmano e judaico.

No entanto, ziguezagues diplomáticos do presidente turco, Recep Erdogan, colocaram a cooperação em queda livre, interrompida pela reaproximação anunciada em junho, dias antes da quartelada responsável por mergulhar Ancara, entre outras ondas, em retórica antiamericana.

Erdogan fustiga os EUA por abrigarem Fetullah Gülen, principal adversário político do presidente e acusado de arquitetar o golpe fracassado. O tom antiamericano do governo turco suscitou dúvidas: irá sobreviver a recente reaproximação com Israel, principal aliado de Washington na região?

Erdogan e o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, sinalizam interesse em preservar o reatamento. Doses de pragmatismo e cálculos geopolíticos forjam a nova etapa da aliança. Turquia e Israel, por razões distintas, precisam de aliados na região, além de compartilharem a preocupação com tentáculos do Estado Islâmico.

Desde sua criação, em 1948, mergulhado numa vizinhança mais marcada pela hostilidade do que pela cooperação, Israel comemora a conquista de eventuais aliados regionais. Acordos de paz com Egito e Jordânia se revelam insuficientes para proporcionar cenário geopolítico menos desconfortável para o Estado judeu.

Com mais de cinco décadas de duração, os vínculos entre Israel e Turquia invadiram campos como economia e cooperação militar. Para israelenses, os frutos dos laços não se resumiam a lucros comerciais ou estratégicos, mas também se apoiavam na forte simbologia de cultivar diálogo com um país muçulmano.

A relação bilateral prosperou sobretudo nos tempos em que a Turquia mirava o acesso à União Europeia como prioridade. Ancara avaliava o diálogo fluído com os israelenses como mais um fator a aproximá-la de europeus, para viabilizar pretensões de embarcar na integração continental.

Erdogan, ao ser eleito em 2002, manteve vetores da diplomacia turca, com os olhos na adesão a Bruxelas. Três anos após sua eleição, visitou Israel, na lógica de não alterar eixos herdados de seus antecessores, adeptos do secularismo de Mustafa Kemal Ataturk, fundador da Turquia moderna.

As ambições políticas de Erdogan levaram-no a abandonar a trilha inicial. No plano doméstico, passou a alimentar um nacionalismo com tinturas religiosas e, no pós-golpe, uma onda impressionante de autoritarismo. No plano externo, implementou desastrada política de abandonar ambições europeias e buscar liderança no Oriente Médio, o que o levou a sacrificar a relação com Israel.

Erdogan avaliou que, para liderar o mundo árabe, como na era otomana, precisava abrir mão dos vínculos históricos com Israel. A aposta fracassou. Países da região, Egito à frente, rejeitaram suas pretensões.

Restou a Erdogan dar um passo para trás. Apesar do vertiginoso recuo da democracia na Turquia, a reaproximação entre turcos e israelenses, no plano geopolítico, representa uma pitada de estabilidade no caldeirão do Oriente Médio.


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