Folha de S. Paulo


A surpresa felina

Demorei, mas finalmente mergulhei no universo felino. A história começou quando da aquisição do sítio: o antigo proprietário alimentava gatos das redondezas, para contar com a proteção deles contra roedores. Era uma relação de troca de favores, sem maiores proximidades.

Mantive a prática, embora com algumas preocupações com o bem-estar dos felinos. Apesar da dificuldade, por serem muito arredias e por terem pouco hábito de contato direto com seres humanos, conseguimos capturar a mãe e uma filhota, que frequentavam nossos telhados, para castrá-las.

El Cerdo
Ilustração para a coluna Bichos de Jaime Spitzcovsky

Em função da população majoritariamente canina do sítio, as gatas passavam o tempo entre o topo das casas e os galhos das árvores mais altas. Entravam algumas vezes durante o dia num depósito, ao qual os cães não têm acesso, para se alimentar e tomar água.

Há algumas semanas, a gata mais jovem apareceu com claros sintomas de alteração neurológica. Ficou com patas bambas. Não conseguia mais escalar as prateleiras especialmente colocadas para facilitar entrada e saída da sala.

O novo quadro se completava com sessões intensas de miados. Devido à dificuldade de locomoção, a gata antes arredia pôde ser facilmente pega. Levamos a felina, então, ao veterinário.

Foram dois dias de internação. Prossegue ainda a investigação sobre a causa da alteração neurológica, com suspeita de tumor ou trauma provocado por briga ou queda.

Mas o que mais nos chamou a atenção foi como a gata arisca, nunca submetida a convívio próximo com humanos, se deleitava com minhas carícias. Também na presença do veterinário, a felina ganhava confiança e diminuía os miados.

Recebi a garantia de que os miados não significavam dor, mas medo. O tratamento da gatinha continua, voltado também a lhe garantir qualidade de vida, apesar dos percalços atuais. E quem antes era descrita como "arredia", hoje se esbalda com carícias humanas.


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