Folha de S. Paulo


Tintas, mísseis e gays

Pinceladas de tonalidades e ideologias distintas marcaram, nas últimas semanas, as complicadas relações entre Israel e Irã. Quando vi fotos do poeta gay iraniano Payam Feili, que pediu asilo ao governo israelense, capturaram minha atenção as cores explosivas do esmalte em suas unhas.

Dias depois, mais cargas de tinta para quem acompanha o caleidoscópio do Oriente Médio. A agência de notícias iraniana Fars anunciou, pomposamente, que mísseis balísticos testados por Teerã carregavam a inscrição em hebraico: "Israel deve ser varrido do mapa".

Jornais internacionais apontaram para, em fotos, não haver evidência da frase, lembrança dos disparates do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, o negador do Holocausto.

Com alcance para atingir Israel, os projéteis, com ou sem letras em hebraico, indicam demonstração de força da Guarda Revolucionária, um dos setores mais duros do regime de Teerã. E eles se sentem acuados.

O Irã, ao assinar o acordo nuclear com as potências globais em 2015, deu um passo rumo ao fim do seu isolamento. Quando da negociação, prevalecia na elite iraniana a percepção de que o regime teocrático ruiria caso persistisse no caminho do confronto com a comunidade internacional, rota minada com sanções internacionais e estrangulamento de uma economia decrépita.

Mas a leitura tem resistência importante em Teerã. Setores conservadores sofrem de uma "síndrome soviética" e temem que maior integração global leve ao esfarelamento do regime, como na URSS.

Recentes eleições no Irã foram mau presságio para a chamada linha-dura. Fortaleceram-se setores que apostam no fim do estrangulamento econômico e que se regozijam ao ver o presidente Hassan Rowhani recebido com tapete vermelho em Roma e Paris, como foi em janeiro.

Acuados, os conservadores iranianos reagem. Soltaram mísseis na semana da visita do vice-presidente americano, Joe Biden, a Israel. Voltaram ainda a disparar ataques retóricos contra o "Grande Satã" (EUA) e o "Pequeno Satã" (Israel).

O regime iraniano, anacrônico, se pergunta como vai sobreviver no século 21, num país em que cerca de 60% da população tem menos de 35 anos, provavelmente ansiosa por mergulhar num cenário com menos controle estatal e mais liberdade individual. São jovens nascidos após a Revolução de 1979 e que não enfrentaram a ditadura do xá Reza Pahlevi, o que enfraquece o "discurso libertador" dos aiatolás.

Payam Feili, 30, resolveu não esperar por mudanças em sua terra natal. Depois de fugir para Turquia, o novelista, vítima de longa história de assédio e perseguição pelo regime, aterrissou em Israel e espera resposta a seu pedido de asilo.

Curiosa a terra de Israel, onde religiosos e direitistas se fortaleceram nas últimas décadas.

Em 2011, um parlamentar do Likud, bastião do direitismo israelense, criou o núcleo gay do partido, pondo em xeque a ideia de que agenda de minorias sexuais seja monopólio da esquerda.

Em tempo: o deputado Jean Wyllys visitou terras israelenses, enfrentou patrulha ideológica e retornou com elogios e críticas. E não vociferou a sandice de que "jamais voltaria a Israel".


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