Folha de S. Paulo


A toca e a enxada

Meses atrás, meus coelhos ganharam um novo lar. De uma área de 16 m², com piso cimentado, saltaram para um coelhário com o dobro de área e base de terra e grama.

A mudança ocorreu por uma inesperada duplicação da população: no dia seguinte à chegada, Mirtes pariu seis filhotes. Ao comprá-la, consegui não perceber sua prenhez.

Na casa nova, os láparos se viram livres dos limites impostos pelo cimento e passaram a dar vazão ao instinto cavador. Como ergui a nova estrutura sobre um solo pedregoso, avaliei que as escavações não iriam muito longe. Ainda assim e por precaução, coloquei lâminas de ardósia ao pé do alambrado, para manter os animais longe de iniciativas que pudessem resultar num encontro direto com predadores soltos.

Ilustração Tiago Elcerdo
#ARSAO1701 BICHOS

As tocas começaram a surgir, ainda que em ritmo lento. Quando a escavação mirava o alambrado, eu esperava o momento adequado para inviabilizar a engenharia, preenchendo o buraco com pedras.

Certo dia, percebi a ausência de um dos 11 coelhos. Faltava Popó, dona de inconfundíveis orelhas caídas e pelagem cinzenta. Chequei as tocas e não a encontrei. Enfiei praticamente meu braço inteiro num buraco mais fundo até deparar com o que pensei ser o fim da escavação.

Fiquei perplexo. Não conseguia vislumbrar o paradeiro da coelha. Chamei o caseiro, que fez uma avaliação rápida da situação, correu à sala de ferramentas e voltou armado com uma enxada. Ele caprichou no cálculo empírico e disparou um golpe contra a terra.

Agora, fiquei boquiaberto. A enxadada destampou uma galeria subterrânea, e a Popó emergiu sem hesitar. Em vez de procurar abrigo mais profundo, optou por sair saltitante. A impressão é de que a coelha havia errado nos cálculos de engenharia e não estava conseguindo retornar à saída da toca.

Não sei se minha teoria é correta. Mas percebi que, nos últimos dias, Popó andou preferindo a casinha de madeira, na superfície, a escavar abrigos subterrâneos.


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