Folha de S. Paulo


Ritual animal

Ilustração Thiago Elcerdo e Suryara

Sempre me considerei avesso a rituais. A rotina no sítio, entretanto, empurra para a mecanização de alguns procedimentos, sequência importante para a vida animal. E com cada vez mais frequência me vejo no início das manhãs em uma movimentação ritualística.

Começo alimentando as carpas e o casal de tartarugas tigre d'água. Ração oferecida "a lanço", com a preocupação de não exceder na oferta, para não sobrar material orgânico boiando. Subo numa pedra à beira do lago -movimento suficiente para atrair a população aquática.

O passo seguinte é o viveiro dos furões. Lá, depois de ser recebido à porta por Lua e Nuvem, coloco alimento na vasilha e troco a água e os papéis usados como vaso sanitário. Se não tiver pressa, ainda me divirto com as molecagens da primeira, serpenteando pelos tubos ou tentando entrar sob minha roupa.

Chega então o momento mais trabalhoso: é a hora de alimentar a matilha. Arrumo os pratos e coloco a ração levando em consideração aqueles com dietas especiais.

Fecho em seguida as baias para que os cães não se movimentem muito enquanto ocorre a digestão.

Apesar de alguns latidos de protesto, disparo rumo ao coelhário. Na divisão de trabalho do sítio, cabe a mim apenas mimar os mascotes, levando petiscos, como diversos tipos de folhas, pedaços de maçã, banana ou cenoura. Mas o campeão de audiência são as uvas passas.

Aproveito ainda para checar se as obras de escavação dos coelhos ameaçam passar sob a cerca. Segurança, obviamente, é fundamental.

O ritual matutino segue com a visita à área dos plumados. Assim que desponto no portão, gansos e galinhas disparam em minha direção, na expectativa de ganhar folhas de couve ou de repolho. O casal de marrecos corredores indianos vem atrás, envolto em desconfiança.

No final, antes de abrir as portas do canil, resta ainda saudar Biscoito, o pônei, Brito, o bode, e as cabras Violeta, Amora e Margarida. Depois disso é que começo o dia.


Endereço da página: