Folha de S. Paulo


Paciência e buracos na grama

O gramado atingia o "grau de beleza notável", ranking criado por mim para qualificar avanços em plantios de áreas do sítio. Em volta da casa, um cinturão verdejante se formava, ainda que ameaçado por tufos de ervas invasoras.

Foi então que uma samoieda nova entrou em minha vida. Ao longo da minha convivência canina, a raça siberiana, de pelos espessos e alvos e cara de ursinho de pelúcia, marcou presença especial. Já convivi com sete deles.

Numa das vezes, adotei uma cadela adulta. Contei com a colaboração da criadora Alessandra Comin Martins, dedicada a esses cães siberianos desde 1997 e autora da sugestão para eu adotar a mascote.

Ilustração Tiago Elcerdo

A cachorra esbanjava simpatia. Mostrou também, nos primeiros dias, doses de teimosia inata a muitos samoiedas e uma energia inesgotável. Creditei a hiperatividade à mudança de ambiente e a uma ansiedade compreensível diante de tantas novidades, como a presença de cabras, coelhos e outros animais.

O latido se transformou em uma válvula de escape, com frequência e volume impressionantes.

Entretanto, ela encontrou outro canal para dar vazão à energia.

Começou a arrancar, com a boca, nacos de grama. Exatamente na área em que eu cultivava havia anos.

Minha primeira reação foi de desespero. Assistir aos cortes caninos naquele gramado dilacerava minha paciência. Mas contei até dez. E, em vez do caminho de repreensão desenfreada, optei por uma senda mais custosa: esperar baixar a poeira da hiperatividade. Não deixei de dizer "não", com firmeza, ao flagrá-la com a boca na botija. Mas, na minha ausência, o gramado muitas vezes servia de saco de pancada.

Lembrei-me de outro episódio, anos antes, quando um samoieda meu mudou para o sítio após muito tempo na cidade. Nos quatro primeiros meses, transformou-se num perfurador de primeira. Cavou vários buracos. Até que, ambientado, acalmou. Espero que o mesmo ocorra com a destruidora de gramados.


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