Folha de S. Paulo


Uma câmera na mão

Lembrei-me da máxima glauberiana: "uma câmera na mão e uma ideia na cabeça". Depois de assistir a tantos vídeos caninos na internet, quero registrar imagens da minha matilha. Tenho convicção no talento artístico deles, mas guardo sérias dúvidas sobre minha capacidade para dirigir astros.

Rabisquei um roteiro inicial, único passo concretizado nas ambições audiovisuais. Miro duas situações altamente fotogênicas e engraçadas, responsáveis por misturar espécies diferentes.

Boris, robusto dogue alemão com mais de 70 quilos, adora interagir com Lua e Nuvem. São fêmeas de furão, azougues que cruzam, com velocidade meteórica, os túneis do seu viveiro. Do alto das musculosas patas, o cachorro tenta acompanhar o movimento das primas da lontra com rápidas oscilações da cabeça, deixando tremular as bochechas gordas.

Ilustração Tiago Elcerdo

E há cenas de ternura entre bichos de portes tão distintos. Lua, em parcos momentos de placidez, cheira o amigo canino. Boris parece brincar de estátua. Fica paralisado. Até que se cansa e ameaça dar uma bocada, jogando a cabeça em direção à Lua. Estanca o movimento a poucos centímetros do choque de crânios desproporcionais.

A vira-lata Bianca e as tartarugas tigre d'água também protagonizam cenas dignas de registro. Quando me aproximo do laguinho, para alimentar os répteis, o casal com casco nada em minha direção. E "dão de ombros" à ameaça da Bianca, que enfia as patas dianteiras na água.

A cachorra não busca se refrescar ou roubar ração das tartarugas. Tenta, com a pata, tocar o casco da Dodó ou do Touché. O macho demonstra incômodo, encolhe a cabeça, recua um pouco.

Mas sua companheira ignora olimpicamente os movimentos de Bianca. E, desajeitada, a cadela demonstra falta de habilidade na empreitada. Talvez pense ser um urso pescando, com facilidade, peixes num rio.


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