Folha de S. Paulo


O pulo do puli

Crença em destino alimenta polêmicas. Testemunhei, há pouco, um episódio responsável por oferecer farta munição aos crédulos.

Vamos ao fatos. Navegando na web, minha filha, Silvia, encantou-se com uma raça húngara, o puli. O cão de pastoreio se destaca pela pelagem, mais parecida com paisagens jamaicanas: descem do dorso dreadlocks, como os celebrizados pelo rei do reggae, Bob Marley.

O puli esbanja agilidade e vigor. Corre atrás do rebanho ou pula obstáculos do agility com os dreadlocks se movimentando harmoniosamente ao vento. Quando conheci a raça, imaginei as dificuldades de manutenção do pelame.

Ilustração Tiago Elcerdo

Silvia passou a sonhar com puli. Na visita à maior exposição de cães do mundo, a britânica Crufts, fez questão de ser fotografada ao lado dos animais magiares. Retornamos ao Brasil, e a saga continuou. A caçadora adolescente descobriu uma raridade: canil de puli em terras brasileiras.

O país contabiliza mais de 5.500 municípios, e onde fica o canil?

Exatamente naquele do nosso sítio. Quase vizinhos. Não encontrei argumento para evitar a visita. A criadora, Paloma Pegorer, recebeu-nos com simpatia, e, de início, explicitei as regras do jogo: ao completar 18 anos, Silvia também alcançaria a "maioridade cachorreira", para tomar decisões sobre a própria matilha.

O puli mantinha-se como um objeto de desejo. Silvia acatou a argumentação. Até que, dias depois, meu celular tocou. Era minha filha, com voz ofegante. Tinha dificuldade para articular as palavras.

"Pai, você não vai acreditar", disparou ela. "Uma amiga da minha mãe tem um puli, de sete meses, e quer doar porque o filhote está destruindo o apartamento e atazanando os cães adultos."

O pequeno Akos, que havíamos conhecido no canil da Paloma, chegou ao sítio em data cívica: 26 de outubro, segundo turno das eleições. Jamais me esquecerei do dia em que ouvi dos crédulos que a história de destino existe.


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