Folha de S. Paulo


Despedida da Nádia

Comecei o ano com o check up da minha anciã siberiana. Nádia, samoieda nascida em minha casa há exatos 14 anos, passava pelo ritual veterinário desde que chegara à melhor idade.

Festejei os resultados dos exames. Os principais parâmetros mostravam números animadores, e vislumbrava então uma longevidade ímpar para Nádia em comparação com seus pais e irmãos. Nenhum deles ultrapassou a barreira dos 12 anos de idade.

Cheguei até a registrar nesta coluna o décimo quarto aniversário da cadela. Recorria então a artifícios aritméticos e biológicos para comparar idades caninas às dos humanos. E, comparações à parte, proclamava minha preocupação em proporcionar qualidade de vida aos animais de estimação mais idosos.

Mas, numa mudança brusca, Nádia adoeceu. Logo desbotaram as memórias exultantes sobre os testes de janeiro. O segundo mês do ano se transformava num martírio.

Ilustração Tiago Elcerdo

A cachorra foi internada numa clínica veterinária e lá ficou por dez dias. Lutava contra uma infecção, sem o vigor da juventude e com antibióticos demonstrando tibieza. Rapidamente, o movimento das patas traseiras se esvaíram.

Sinais de estabilização do quadro sugeriram retorno a casa. Trouxe, no colo, minha anciã de volta ao aconchego do lar, mas com uma lista interminável de medicamentos. Prosseguia a luta contra a infecção e os efeitos colaterais dos remédios.

Nádia demonstrava a felicidade do retorno ao tascar algumas lambidas em meu rosto. Mas, lentamente, dava sinais de que sua energia se aproximava do esgotamento.

À noite, enquanto dormia, ouvi um latido. Único e seco. Levantei e me aproximei de Nádia. Imaginei que ela estivesse com dores e coloquei, em sua garganta, um analgésico. Ela pareceu se acalmar. Fiz um pouco de carinho e voltei à cama.

Poucas horas depois, encontramos Nádia sem vida. Sempre vou lembrar do último latido como uma despedida.


Endereço da página: