Folha de S. Paulo


Raças e latidos impronunciáveis

Na infância, corria semanalmente às bancas para comprar fascículos da Enciclopédia Canina. Adquiri, ao final da coleção, a capa dura, encadernei os dois tomos, seguindo o ritual da época, e, desde meados dos anos 1970, os pesados volumes ocupam lugar de destaque em minha estante. Folheava as edições em busca de raças exóticas e de paragens distantes. Minha filha herdou o faro, mas se esbalda navegando na internet.

Em devaneios infantis sobre raças, descartava aquelas cujos nomes mais pareciam sopa de letrinhas, um enfileirar de consoantes à la Spitzcovsky. Se sempre tive de soletrar o sobrenome, seria ainda obrigado a descrever, letra a letra, a origem do meu cão?

Ilustração Tiago Elcerdo

Elaborei uma lista com raças de nomes praticamente impronunciáveis para nossos hábitos tupiniquins. Lá vão alguns: o alemão kromfohrlander, o sueco schillerstovare e o suíço schweizerischer niederlaufhund. Da República Tcheca, adicionei o praský krysarík.

Mesmo em raças comuns por aqui, encontramos nomes de difícil pronúncia. Por exemplo, dachshund. Para muitos, em vez de engripar nas quatro consoantes seguidas, é mais confortável recorrer à versão tropical, chamando-o de salsicha.

Porém, a mais criativa solução tropicalizada encontrei num anúncio que oferecia "burrilho". Ignorante, achei se tratar de algum parente de asnos. Logo descobri que o animal em questão era um "blue heeler", versão do boiadeiro australiano (australian cattle dog).

Simplificar nome de raças facilita também a vida de pet shops. Já vi atendentes que preencheram o item raça com a inscrição "pudi". Ou "podul". Duvido que os poddles, reis de charme e sofisticação, gostariam de ver o nome da raça tão desvirtuado.

Outro dia conheci mais uma tropicalização. Conversava, num parque, com uma senhora que levava o mascote. "É um xistu", explicou ela. Traduzindo: era um shih tzu, a famosa raça chinesa.


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