Folha de S. Paulo


Abandono e crime

Minha prima Cátia e eu resolvemos levar Chiquinho, cão do sítio, a um banho de loja. Acostumado à rusticidade das lavagens com mangueira, o vira-lata iria enfrentar pala primeira vez a banheira de um pet shop. Também andaria de carro, evento raro para aquele ser da roça.

Decidimos aguardar até o final do banho. Chiquinho precisava de apoio psicológico para o momento inédito. Foi então que um homem, quase aos prantos, entrou correndo no pet shop com um cachorro no colo. Só freou quando estava a poucos centímetros da veterinária.

Ouvi então um discurso chocante, medonho. O pedido era para sacrificar o animal. "Minha mulher acabou de ganhar um bebê e quer que eu me desfaça do bicho", relatou o candidato a carrasco. Mas achei que a proposta de sacrificar o cachorro era um blefe, na tentativa de sensibilizar a dona da clínica.

Durona, ela respondeu em tom áspero. Rejeitou sacrificar o cão e qualificou a proposta de criminosa. E, em tom de ameaça, concluiu: "E nem pense em abandonar o bicho, porque isso também é crime".

Ilustração Tiago Elcerdo

O rapaz, franzino e com a cara de desespero, apontou para fora. Uma mulher, impassível, permanecia sentada no banco da frente de um fusca. "Ela falou que, se eu não me livrar do animal, me larga!", exclamou ele. Desabou em choro.

Cátia e eu nos entreolhamos. Foi o sinal para a intervenção. Diante de um homem em prantos e de uma veterinária determinada, anunciamos a disposição de ficar com o
cachorrinho com jeito de pinscher.

O homem entregou o cão e saiu em disparada. A veterinária suspirou. Disse que cenas como essa eram frequentes: gente em busca de um local para descartar seus "ex-animais de estimação".

O cãozinho ganhou novos nome e casa. Passou a se chamar Fininho. O Chiquinho retornou ao sítio com várias novidades: perfume no cangote e alguém para dividir espaço no carro. Foi um episódio cheio de descobertas para aquele matuto.


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