Folha de S. Paulo


Maturidade e abandono

Quando criança, circulava pela feira livre ansioso para ver tartaruguinhas à venda, debatendo-se para sair da bacia de plástico com água turva. A verdejante coloração de seus cascos ganhava mais vibração com o impacto dos raios solares.

Um dia, convenci minha mãe a comprar um exemplar. Touchê veio para casa, sem certificado do Ibama e com a orientação de ser alimentado com alface. Naquele tempo, as tartarugas tigre-d'água, da fauna brasileira, não tinham proteção oficial e sofriam com a ignorância sobre o manejo correto. Mais tarde descobri que as folhas que oferecia ao animalzinho não constituíam a dieta adequada.

Ilustração Tiago Elcerdo/revista sãopaulo

Décadas depois, presenteei minha filha com uma tigre-d'água. Dóris chegou há seis anos, com certificado de origem, aquaterrário munido de aquecedor e uma ração de primeira linha.

Acompanhamos com curiosidade seu crescimento. Era sempre ágil na água e um tanto desengonçada na terra. À medida que encorpava, a carapaça perdia as cores vibrantes, e um monótono verde-escuro começava a dominar.

Logo aposentamos o aquaterrário original. Ficou muito apertado. Compramos o maior modelo disponível no mercado, para alívio de Dóris. Mas o crescimento implacável nos obrigou a buscar um novo lar, e ela ganhou um laguinho no sítio.

Na semana passada, outra novidade na vida nada lenta da Dóris. Compramos, numa loja especializada, o novo Touchê, que chegou com a documentação imprescindível.

Perguntei ao vendedor a origem do animal e descobri que muitas tigres-d'água, ao crescerem, são devolvidas a pet shops ou descartadas em locais públicos, como parques ou praças. A beleza sedutora do filhote faz seus compradores esquecerem que um dia o bicho vai precisar de mais espaço e vai perder a pintura artística do casco. Triste pensar que, em muitos desses casos, os animais são abandonados à própria sorte.


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