Folha de S. Paulo


A chegada da Farofa

Veio a noite, o trânsito apertou, e os táxis rarearam. Acompanhado da minha filha Silvia, precisava voltar logo para casa e buscava condução perto do Ceagesp, na avenida Queiroz Filho. O relógio já passava das 18h, e o calendário marcava 18 de abril.

Com o anoitecer, a bruma dificultava identificar a aproximação de táxis. Mas Silvia foi ágil ao perceber a pedestre cortando a avenida com uma cadela no colo. Chamou a minha atenção para o fato.

Ilustração Tiago Elcerdo

Esbocei um sorriso para a moça que, ofegante, acabava de alcançar a calçada, carregando os cerca de 20 quilos da cachorra alvinegra.

"Está abandonada e tentava atravessar a avenida", revelou a transeunte. "Ia morrer, na certa, por isso achei melhor ajudar a chegar até aqui." Perguntei se o animal tinha dono. "Acho que não", respondeu. "Já faz alguns dias que a vejo perambulando, eu trabalho aqui perto". Contou que trabalhava num grande pet shop da região.

A indagação seguinte me pareceu óbvia. "Por que você não a leva para casa?". Imaginei que ajudar a cadela a chegar ao outro ponto da avenida não significava, de forma alguma, eliminar os riscos aos quais o animal estava exposto nas próximas horas.

"Não tenho condições de adotar, já tenho duas cachorras e minha casa é pequena", explicou ela.

Jamais deixaria a cachorra --que tinha um jeito de american staffordshire terrier-- naquela situação. Dócil, a nova mascote veio com facilidade para meu colo. Silvinha vibrou. Começava mais um capítulo de nossos resgates.

A cadela recebeu o nome de Farofa. Logo depois, levei-a para o sítio. E, na avaliação veterinária inicial, surgiu a suspeita: prenhez. Há menos de duas semanas, nasceram cinco rebentos. Não tenho como afirmar, mas a suspeita é o caso clássico de abandono de uma cadela que emprenhou no primeiro cio. Triste sina.


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