Folha de S. Paulo


Brincar de mímica com o cão

A vira-lata Lela começou a me causar transtornos. Nasceu no sítio, há dois anos, filha da Meggy, resgatada das ruas de nossas redondezas. Ao contrário da mãe, teve uma infância tranquila, com abrigo e alimento garantidos.

Ao crescer, mostrou doçura ímpar com seus tutores, mas também um senso implacável de proteção de território. Atacou visitas e até mesmo o caseiro, num momento em que ele se aproximava sob o manto do lusco-fusco e debaixo de boné e capa de chuva.

Ilustração Tiago Elcerdo

Arriscamos a tese de a cadela sofrer de problemas de visão ou neurológicos. Numa analogia policial, ela parecia primeiro atirar e depois perguntar quem chegava. Por sorte, a modesta compleição física de Lela limitava os estragos, embora deixasse sequelas emocionais em quem virasse alvo de sua fúria protetora.

O caseiro e a mascote acabaram se acertando sem mais faíscas na relação. As investidas contra visitantes ou prestadores de serviços, porém, continuavam a gerar estresse.

Decidido a resolver a situação, rechacei a ideia de me desfazer da cadela. Cogitamos prendê-la no canil toda vez que recebêssemos alguém.

Representava a opção mais confortável, mas não seria a melhor para Lela. Chamei, então, um adestrador com renome no mercado. Veio ao sítio, permaneceu por duas horas em campo e ofereceu um diagnóstico. O resto ficaria conosco.

O profissional matou a charada. Para ele, até que controlamos bem nossa matilha de doze cães. Mas pisávamos em falso no momento de dizer a Lela o que esperávamos dela. Faltava um mecanismo eficiente para explicar que a hora da proteção tinha um final.

Passamos a usar, com mais intensidade, exercícios com guia e comunicação não verbal.

Impressionantes os resultados. Com mais gestos e menos sons, ela nos entende com facilidade. Basta lembrar como cães, entre eles, comunicam-se com o corpo, a cauda e as orelhas.


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