Folha de S. Paulo


Caso JBS abala uso de delação, mas é um exagero falar em fim da Lava Jato

Pedro Ladeira 4.set.17/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 04-09-2017, 19h00: O procurador geral da república Rodrigo Janot durante pronunciamento à imprensa para falar sobre uma possível revisão do acordo de delação premiada da JBS. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, durante anúncio de apuração sobre delação

Da caixa de Pandora aberta pela revelação dos novos áudios do caso JBS, um item surgiu como lateral, mas é central para o risco efetivo para a anulação do acordo de delação premiada dos irmãos Batista: a tentativa de usar o ex-ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) para produzir provas contra ministros do Supremo.

Enquanto o mecanismo da ação controlada é previsto em lei, o que aparentemente ocorreu no caso de Cardozo é a chamada "pegadinha". Isso porque o ex-ministro não era alvo na investigação e foi abordado pela JBS na condição de advogado -segundo pessoas que conhecem o processo, a proposta simplesmente não prosperou.

Se tudo ocorreu de acordo com os relatos disponíveis, esse tipo de manipulação enseja a anulação de todo o procedimento do Ministério Público Federal. Em relação às provas, nesse caso não há riscos, que moram nas suspeitas de manipulação.

Ponto para Rodrigo Janot, que com a proverbial flechada no pé colocou em risco a reputação do instituto da delação premiada que permitiu o inédito alcance e sucesso da Operação Lava Jato.

Não que houvesse muita opção para o procurador-geral da República. Melhor para ele ir à TV fazer o anúncio, e depois jurar amor à integridade da corporação, do que ter o processo conduzido por sua sucessora, Raquel Dodge. Jogou aos leões seu ex-braço direito, Marcelo Miller, que por tudo o que transpareceu terá muito a explicar à Justiça.

Ao cortar na carne, Janot deu exemplo tardio. Ao possibilitar o fim do escárnio representado pela delação dos Batista, tenta se redimir antes de perder o controle do processo investigativo. Pode funcionar em termos de imagem, mas o estrago está feito.

E qual seria ele? Um exemplo: simpatizantes de Luiz Inácio Lula da Silva já circulam teses de que será possível pedir a revisão de sua condenação por corrupção, já que o empresário Leo Pinheiro saiu do mutismo para a delação nesse caso. Parece "wishful thinking" ou o que os petistas adoram chamar de "guerra de narrativas", já que soa impossível a reversão de sentenças nesse caso, até porque as condições são totalmente diversas daquelas envolvendo os irmãos Batista.

Mas a delação premiada, é claro, sai abalada do episódio. Não tanto quanto os deputados enrolados na Lava Jato que comemoraram a debacle de Janot gostariam, já que os efeitos da operação são estruturantes. Ela está no mínimo obrigando uma revisão de métodos por parte da bandidagem, que certamente encontrará outras formas de promover seus interesses, mas só o fato de isso acontecer já é positivo.

Politicamente, a Lava Jato continua sendo um selo. Como sua inspiradora italiana, a Operação Mãos Limpas, ela também não é monolítica: Curitiba não é Brasília, que não é o Rio. Assim, exceto que surjam batatadas em série como a dos Batista, seu poder saneador tende a seguir como bússola para o eleitorado escolher seus candidatos em 2018.

A bola agora está com Dodge.

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Janot garantiu um pato laqueado de brinde a Temer em sua viagem à China, ao facilitar e muito a vida do presidente na negociação na Câmara para rejeitar a segunda denúncia que a PGR irá apresentar contra ele. A foto da "propinnière" atribuída a Geddel Vieira Lima, contudo, é um lembrete que o governo não deverá ter sossego até o seu final.


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