Folha de S. Paulo


Com piora do cenário para Temer, Barbosa testa seu nome na praça

Sergei Karpukhin/Reuters
Russo Vladimir Putin e Michel Temer em encontro entre presidentes na Rússia
Russo Vladimir Putin e Michel Temer em encontro entre presidentes na Rússia

Para quem buscava refúgio da crise dentro das belíssimas muralhas do Kremlin, protegido de jornalistas pelo protocolo rígido das viagens internacionais ao país de Vladimir Putin, Michel Temer fracassou. Ao deixar, na manhã desta quinta (22), o saguão do cinco estrelas em que estava hospedado em Moscou, o usualmente falante presidente soltou um mero "a viagem a Moscou foi um sucesso" para nós jornalistas insones.

Ninguém riu da piada involuntária. Nas quase 48 horas que passou na capital russa, além de uma agenda carregada mas anódina do ponto de vista noticioso e fotos pomposas com o todo-poderoso Putin, Temer viu surgir uma série de novas rachaduras nas paredes de sua cidadela no Planalto. A situação agravou-se a ponto de membros de sua comitiva passarem o tempo todo questionando a sapiência da realização da viagem.

Porque tudo é imagem. As derrotas de tramitação da reforma trabalhista podem ser remediadas, é óbvio. Mas o que se lê ali é outra coisa: o governo estava em Moscou enquanto começava a perder seu único ativo, o semiparlamentarismo do qual Temer tanto se orgulhou em discursos na Rússia. Sem ele, não há agenda de reformas nem mínima, e aí não há apoio dos empresários e do bicho-papão do mercado.

A espessura dos muros que o protegem se torna cada dia mais fina, e os invasores bárbaros da horda de Rodrigo Janot não cessam suas investidas. As novidades de cada delator envolvendo seu nome e a possibilidade de a denúncia do procurador-geral ser fatiada para ampliar seu desgaste na análise de admissibilidade pelo plenário da Câmara não insinuam dias fáceis pela frente para o presidente -isso sem entrar aqui no mérito dos métodos de Janot, cujas crescentes heterodoxia e messianismo sugerem algo estranho ao rito processual normal.

A muralha de Temer vai ruir? Não necessariamente, mas o que deveria ser um respiro da crise se tornou uma respiração presa em suspense. O PSDB parece cada vez mais incontrolável, a começar pelas declarações ambíguas ou abertamente contraditórias de seus cardeais. O PSD ajudou decisivamente na derrota da reforma trabalhista no Senado, e a facção Renan Calheiros do PMDB sentiu o cheiro do sangue na água para estocar o governo. Afinal de contas, 2018 está aí e há governadores e congressistas para eleger.

Tirar um outro cargo comissionado indicado pode ajudar a conter a sangria, mas a impressão é de que os métodos tradicionais de gestão desse tipo de crise estão se exaurindo. E com a análise da denúncia de Janot pela frente. Os interessados assistem a tudo interessadamente. O condomínio Geraldo Alckmin-João Doria torce por um desfecho arrastado e no qual ele possa dizer ao fim que nunca apoiou Temer. Lula, bom, Lula está quieto porque sabe que sua pele está mais em risco do que a de Temer.

A mosca azul do "novo" andou frequentando um velho candidato a candidato, Joaquim Barbosa, que colocou seu nome para testes na praça com aparições, eventos com os artistas progressistas de sempre, declarações e tudo o mais para dizer que não teria estômago para a tarefa. Claro, política é algo sujo, e tudo o que o povo quer é um cavaleiro em armadura reluzente, de preferência do clã da toga, para lidar com ela. Alguém que não teria estômago para a tarefa. As pontas se unem, obviamente.

Grandes grupos empresariais já fizeram chegar a ele a simpatia por seu nome, embora suas ideias para a economia brasileira sejam opacas para o público. A aposta desses graúdos é de que apenas a bandeira da moralidade será suficiente, o que é verdade para uma eleição, mas não para um governo. Se Barbosa toparia ser um candidato com áreas tuteladas de sua gestão, como Marina Silva já aceitou antes, é uma pergunta a ser respondida. A ex-candidata pode até compor uma chapa com o ex-ministro do Supremo, mas sua abulia política indica que, se fosse, seria na vaga de vice.

Quis o destino que esse agravamento do quadro do governo ocorresse enquanto Temer visitava Putin, homem que comanda a Rússia com mão de ferro desde 2000 e que enfrenta agora suas próprias ameaças de questionamento em protestos de gente jovem e conectada. Se as ruas brasileiras tivessem espasmos como as que as russas vêm tendo, aí dificilmente o Kremlin do cerrado resistiria.


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