Folha de S. Paulo


Doria terá de escolher entre radicais do MBL e a elite para seguir no jogo

Karime Xavier/Folhapress
SÃO PAULO / SÃO PAULO / BRASIL -16 /02/17 - :00h - o vereador Fernando Holiday (DEM/MBL) em seu gabinete. ( Foto: Karime Xavier / Folhapress). ***EXCLUSIVO***COTIDIANOSÃO PAULO, SP, BRASIL, 19-03-2012: Alexandre Schneider, ex-secretário da Educação do município de São Paulo, durante almoço-debate
Vereador Fernando Holiday (DEM/MBL) (à dir.) e secretário de Educação de SP, Alexandre Schneider

João Doria, presidenciável sem nunca ter sido, porta hoje um abacaxi de dimensões consideráveis a ser descascado. O prefeito tucano de São Paulo terá de fazer uma escolha entre a imensa capilaridade em redes sociais do MBL (Movimento Brasil Livre) e a elite paulistana —sua, por assim dizer, base social.

Pode parecer uma briga boba, mas não é e diz muito mais a respeito do futuro do tucanato do que uma primeira impressão transparece.

O MBL, formado em 2014 na esteira do espraiamento das manifestações de rua de 2013, é um movimento cujo sucesso sempre decorreu de foco. Quando havia PT e Dilma Rousseff na Presidência, usou sua azeitada máquina virtual para ajudar a engrossar a onda que levou à deposição constitucional da presidente.

O grupo, apartidário apesar da conhecida ligação com siglas tradicionais, entrou na política formal e viu eleito em São Paulo o jovem Fernando Holiday. O fez por meio do DEM, legenda que pode ter tudo, menos o atributo do ineditismo na política para vender.

Até aí, é do jogo. No cargo, Holiday foi acusado de pagar militantes com caixa dois e, agora, viu sua ação contra o proselitismo de esquerda nas escolas municipais paulistanas denunciada pelo próprio secretário de Educação de Doria, Alexandre Schneider (PSD).

Sobre a primeira acusação, ele nega. A respeito do episódio da segunda, o vereador e seus aliados colocaram parte da estratégia de marketing de Doria na parede ao antagonizar-se com Schneider. Holiday exige desculpas do secretário, apesar dos inúmeros panos quentes lançados pelo prefeito, que inclusive propôs um método "oficial" para as incertas do vereador.

Fosse Schneider de alguma sigla nanica ou sem respaldo, a questão estaria resolvida. Mas o secretário, um pragmático que passou a campanha eleitoral de 2016 falando mal de Doria enquanto apoiava a candidatura de Andrea Matarazzo (PSD), tem dois trunfos que complicam a decisão do prefeito.

Primeiro, é do mesmo PSD, partido inventado pelo ex-prefeito e hoje ministro Gilberto Kassab. A aliança é um ativo e tanto para qualquer opção em 2018: ficar na prefeitura com apoio, disputar o governo do Estado ou a Presidência.

Segundo, Schneider é queridinho da parte intelectualizada da mesma elite econômica paulistana que deseja ver Doria disputando o Planalto. Empresários, professores universitários e educadores, notadamente membros do movimento Todos Pela Educação, lançaram manifesto o defendendo no episódio.

Por trás da entidade, há pessoas gente como Neca Setúbal (Itaú) e Viviane Senna (Instituto Ayrton Senna). Não há nada de desprezível neste apoio, se fosse preciso explicar.

Para Doria, está na mesa apoio financeiro e político vital para suas pretensões e um esquema muito eficaz de influência digital. É bom ressaltar: o MBL já lançou o prefeito à Presidência, e até aqui jura fidelidade a seu programa. Mesmo assim, faz mais sentido para o prefeito ficar com os seus, enquanto tenta contemporizar com os jovens movimento e busca uma alternativa à sua ação. É o que ele parece estar tentando até aqui.

Isso pode ser feito no trabalho de internet sobre a marca da prefeitura —estima-se em R$ 1,5 milhão a verba mensal no setor; há a meta oficial de dobrar a audiência do site do governo. Daí para ampliar a ação para uma campanha, é um pulo. Basta ver o trabalho feito, por outras vias hoje sob lupa da polícia, pelo antigo site Muda Mais em relação à corrida eleitoral de Dilma em 2014.

O mimetismo dos métodos, aliás, é mais uma das heranças da era PT. Orientada pelo ex-ministro Franklin Martins e outros, uma hoste virtual criou métodos eficazes de multiplicação de conteúdo e guerrilha. Para ficar num exemplo doméstico, cada colunista que desagradava ao governo recebia a mesma mensagem infinitas vezes o achincalhando após a publicação da crítica. Naturalmente, o jogo tornou-se bem mais sujo que isso enquanto a campanha avançava, Marina Silva que o diga.

Os tempos mudaram com a denúncia universal do "fake news" e dos "fatos alternativos", e a Polícia Civil de São Paulo já está de olho nisso. Investiga como a vereadora paulistana Sâmia Bomfim (PSOL) foi alvo de memes e hostilidades via WhatsApp e redes, os quais ela credita ao MBL. Talvez desta vez a origem do fogo não passe batida.

Se a teoria segundo a qual o movimento está envolvido com tudo isso for verdadeira, o que o MBL nega, será um golpe tão duro quanto o baixo comparecimento aos atos de rua no dia 26 de março. Se tal revés acontecer, o enfraquecimento daria uma mão e tanto para a tomada de decisão de Doria.

Enquanto isso, o prefeito continua comportando-se como o anti-Lula enquanto jura seu amor pela candidatura presidencial do padrinho, Geraldo Alckmin (PSDB-SP). Será interessante ver qual dos dois atrairá mais atenção no ato que pretende lançar o governador tucano à Presidência no fim de maio, em especial se o Superior Tribunal de Justiça já tiver decidido se a citação a seu nome na Lava Jato merece um inquérito.

Até lá, tratando do seu quintal, Doria terá de fazer sua escolha de Sofia. Como nos livro e filme homônimos, em que uma mãe judia teve de escolher qual dos filhos iria para a câmara de gás em Auschwitz, não será fácil, e ele terá de evitar figurativamente o destino trágico da protagonista ("spoiler": que, revelando sua escolha, se matou). Metáforas históricas mais fortes, à direita e à esquerda, podem ser feitas: são vários governos que precisaram se livrar dos elementos radicais que o levaram ao poder para se consolidar.

E o que isso tem a ver com o futuro do tucanato, como dito antes? Em São Paulo, o grupo de Alckmin fomentou nomes locais para disputas locais, mas hoje não há figurões óbvios para disputas majoritárias exceto Doria e o próprio governador. A turma de José Serra foi tragada pelo tempo, a começar pelo senador, que basicamente prepara sua defesa para a barragem pesada que vem da Lava Jato.

Fora das fronteiras paulistas, onde o antipetismo elegerá até um guarda de esquina em 2018, a situação não melhora. O presidente do PSDB, Aécio Neves, está sob nuvens densas na Lava Jato, com cinco pedidos de inquérito na lista divulgada nesta terça (11) pelo Supremo Tribunal Federal. Figuras alternativas, como os governadores Beto Richa (PR) e Marconi Perillo (GO), são por ora só isso. Se sair mais ou menos ileso da Lava Jato, Alckmin estará na pista -inevitavelmente com Doria, mas não necessariamente na ordem de fatores que o governador gostaria.


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