Folha de S. Paulo


Em meio a caos político, reforma da Previdência tem o 1º teste nas ruas

Renato Costa/FramePhoto/Folhapress
O presidente Michel Temer durante reunião do Conselho Nacional do SESI, no Palácio do Planalto em Brasília.
O presidente Michel Temer durante reunião do Conselho Nacional do Sesi, no Palácio do Planalto em Brasília.

O governo equilibrista de Michel Temer terá hoje o primeiro teste de realidade sobre a razão central pela qual mantém elevado grau de apoio político e empresarial, justo no momento em que a panela de pressão da "segunda lista de Janot" é destampada no Supremo, espalhando seu conteúdo sobre Planalto e Congresso.

Falo do protesto marcado por setores nominalmente à esquerda contra a reforma da Previdência, a joia da coroa daquilo que Temer pretende ver como seu legado. Mudanças trabalhistas também serão alvo dos atos.

Se até aqui as ruas produziram nada além de soluços em termos de protestos contra a legitimidade do governo Temer, algo bem diferente do ambiente de zoológico das redes sociais autofágicas, a rejeição à reforma tem o potencial de furar a bolha obscurantista em que se originou e ganhar apoios.

O motivo? O debate sobre a necessária mudança do sistema previdenciário falimentar do Brasil está ocorrendo com a transparência de um barril de piche. A discussão beira o irracionalismo.

Os argumentos dos sindicalistas que prometem infernizar a vida de milhões com seu protesto hoje deságuam em bizarrices primárias como "vão acabar com a aposentadoria". Não dá nem para a saída, em um fórum qualificado.

A alta rejeição ao governo Temer turva o ambiente, em especial nos segmentos que rejeitam liminarmente qualquer coisa vinda do Planalto. Mas posts com "contas provando que não existe déficit", a animação narrada pelo porta-voz do reacionarismo progressista Wagner Moura, tudo isso é sintoma do vício de origem do processo.

Claro que ninguém gosta de negociar o que considera direito inalienável, e certamente há pontos do projeto atual draconianos demais, mas a interdição pura e simples do debate trai a força incapacitante do patrimonialismo atávico do país: é fato que nenhum político se elege defendendo regras mais rígidas para a Previdência.

Para piorar a situação do Planalto, a maçaroca é de fácil assimilação por parte da população. Os clichês sobre retiradas de direitos são ouvidos em qualquer conversa de ponto de ônibus. Por mais que um eventual candidato Luiz Inácio Lula da Silva saiba que a reforma se impõe, o discurso para 2018 nem precisa de marqueteiro -para sorte do PT, dado que João Santana está preso.

Do lado governista, a situação não melhora. Planalto e relator da reforma não se entendem. Com seu estilo sutil, e isso é uma ironia, o presidente da Câmara consegue fazer observação machista justamente sobre um ponto passível de ser retirado em "concessões", candidato a bode na sala: a diferenciação de idades mínimas para homens e mulheres.

O PMDB, partido do presidente, resolve fazer uma campanha online em favor da reforma ao estilo Dilma-2014: o fracasso na empreitada irá acabar com programas sociais e tal. Terrorismo barato, que foge ao ponto. As peças oficiais na TV vão na mesma linha.

No fim, para desespero de integrantes sérios da equipe econômica, a impressão vigente é de que tudo será tocado na calada da noite por pessoas que, além de tudo, estão sendo acusadas de crimes em todos os noticiários.

Com isso, não surpreende que o clima no Congresso já seja de pé atrás com as propostas, ainda que o Planalto siga com a convicção de que irá conseguir a aprovação.

Se há algo que impressiona parlamentar é a rua, por isso a qualidade da adesão ao protesto desta quarta (15) será um termômetro importante para o futuro do texto no Parlamento. No caso de ele fugir do protocolo "não vai ter golpe", com os atores de sempre, isso não ficará inaudito.

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Enquanto o raio de ação da bomba da nova "lista de Janot" ganha corpo, caso alguém não tenha percebido a campanha de 2018 já está na rua. Lula no vai-não-vai a depender da Lava Jato, Alckmin em plena articulação pública, Aécio em retirada tática, a sombra de Doria em formação, até Bolsonaro deu as caras.

A confluência do movimento e do impacto dos novos inquéritos no Supremo é tudo, menos boa notícia para a agenda legislativa do governo.


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