Folha de S. Paulo


O poder do $$ chinês

Existem muitas maneiras de um governo promover seus interesses no palco internacional. Alguns usam seu poderio militar. Outros recorrem à subversão ou a bravatas. Na Ásia, África, América Latina e até na Europa, a China está recorrendo a investimentos para conseguir o que procura de países e governos necessitados.

Os exemplos mais evidentes estão na Ásia. As relações do Paquistão com os Estados Unidos se deterioraram nitidamente nos últimos anos, por uma série de razões, e os laços mais estreitos do presidente Donald Trump com o primeiro-ministro indiano Narendra Modi deram ao governo e às forças armadas do Paquistão bons motivos para investir mais fundo no fortalecimento das relações com a China.

E o investimento de Pequim no Paquistão vem ganhando ímpeto. Um projeto de desenvolvimento infraestrutural, o Corredor Econômico China-Paquistão, orçado em US$ 55 bilhões e que faz parte da iniciativa chinesa mais ampla "Belt Road" (a nova "rota da seda"), está gerando crescimento e empregos muito necessários no Paquistão.

Em contrapartida, a China está desenvolvendo o porto de Gwadar, que lhe garantirá uma presença mais forte no oceano Índico.

O presidente filipino Rodrigo Duterte não aprecia críticas vindas dos EUA e da Europa, e Pequim prometeu ajudá-lo a melhorar a infraestrutura deficiente de seu país.

A China ainda não realizou muito nesse sentido, mas a simples promessa de fazê-lo já persuadiu o líder filipino a não opor grande resistência ao expansionismo chinês no mar da China Meridional. Ele também somou a voz das Filipinas a uma postura mais pró-China da Asean, a Associação de Nações do Sudeste Asiático, formada por dez membros.

O primeiro-ministro da Malásia, Najib Razak, também ajudou a fazer a balança da Asean pender em direção à China e recuou das reivindicações rivais sobre o mar da China Meridional, porque seu país também necessita de investimentos em rodovias, pontes e, especialmente, ferrovias –e porque o escândalo do desvio de recursos do fundo soberano 1MDB deixou Najib e seu governo necessitados de dinheiro.

Não é de hoje que os bolsos fundos da China lhe compram influência na África, onde o presidente Xi Jinping prometeu investir bilhões a mais nos próximos anos.

A China também vem difundindo sua voz na África através da StarTimes, empresa de mídia e telecomunicações apoiada pelo Estado, apesar de ser de propriedade privada, que transmite conteúdo e uma visão de mundo chineses aos telespectadores africanos através de suas subsidiárias em 30 países do continente.

Como membro do grupo dos Brics desde 2010, a África do Sul proporcionou à China uma porta de entrada na Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, que dá acesso a recursos naturais que auxiliam o crescimento da China e fortalecem sua influência política na região.

A China é a maior parceira comercial da África do Sul, e em 2015 os dois países assinaram acordos comerciais no valor de US$ 6,5 bilhões. O governo sul-africano recompensou a China por sua disposição de investir, negando ao tibetano Dalai Lama, que é persona non grata na China, a entrada na África do Sul em três ocasiões distintas desde 2009, embora autoridades sul-africanos o neguem.

Carlos Barria - 7.abr.2017/Reuters
U.S. President Donald Trump (L) and China's President Xi Jinping walk along the front patio of the Mar-a-Lago estate after a bilateral meeting in Palm Beach, Florida, U.S., April 7, 2017. REUTERS/Carlos Barria ORG XMIT: WAS117
O presidente dos EUA, Donald Trump, e o da China, Xi Jinping, durante a visita do segundo, em abril

O presidente queniano Uhuru Kenyatta foi um dos apenas dois líderes africanos a quem foi oferecido um assento no Fórum do Belt Road em Pequim este ano, e o Quênia pode prever que receberá grandes investimentos chineses em infraestrutura, como parte da rota marítima do projeto Belt Road.

A China já construiu uma ligação ferroviária de alta velocidade entre as cidades quenianas de Nairóbi e Mombasa, e o governo queniano manifestou seu agradecimento apoiando as reivindicações territoriais chinesas no mar da China Meridional e o esforço de Pequim de persuadir o Fundo Monetário Internacional a acrescentar a moeda chinesa a seu cesto de Direitos Especiais de Saque.

A China também vem dedicando dinheiro e tempo consideráveis ao fortalecimento de sua influência na América Latina. O país tornou-se o maior mercado de exportações do Brasil, Chile, Cuba, Peru e Uruguai. Mas não se trata mais apenas de a China comprar commodities.

Esses mesmos países, além da Bolívia, hoje importam mais da China que de qualquer outro país. O Panamá também virou parte da história, em parte porque o investimento da China na ampliação do Canal do Panamá possibilitou que megacargueiros chineses alcancem o Atlântico e a costa leste dos Estados Unidos.

No início do ano, o Panamá anunciou que não irá mais reconhecer Taiwan, entregando outra vitória diplomática à China.

Pequim chegou a estender essa estratégia à Europa, cujos líderes ainda agem como se o mundo quisesse seguir seu exemplo. O mais recente investimento chinês é na Grécia, país onde faltam recursos e que está farto da austeridade imposta e das críticas amargas que recebe da UE.

A Grécia conseguiu investimentos chineses através do projeto Belt Road. Uma estatal chinesa hoje opera o porto comercial grego de Pireu, o mais movimentado do Mediterrâneo.

Andrew Cowie/AFP
(FILES) -- A file photo taken on May 7, 2013 shows Kenyan President Uhuru Kenyatta (L) leaving a hotel in central London, as he prepares to attend a conference on Somalia. The International Criminal Court's chief prosecutor on December 5, 2014 dropped her crimes against humanities case against Kenyan President Uhuru Kenyatta, saying she did not have enough evidence to take him to trial. AFP PHOTO / ANDREW COWIE ORG XMIT: 067
O presidente queniano Uhuru Kenyatt (à esq.), em Londres, em imagem de 2013

No início do ano a Grécia bloqueou uma declaração da UE ao conselho de direitos humanos da ONU que criticava a repressão movida por Xi Jinping à dissensão política interna e uniu-se à Hungria em Haia para apoiar as reivindicações territoriais da China no mar da China Meridional.

"Enquanto os europeus agem em relação à Grécia como sanguessugas medievais, os chineses não param de levar dinheiro ao país", disse no mês passado um alto representante grego.

Isso tudo encerra uma lição para os Estados Unidos, a União Europeia e qualquer outro ator internacional que pretenda condicionar investimentos muito necessários ao comportamento político doméstico.

Trump se gaba do poderio americano, mas já deixou claro que não está interessado em preencher cheques polpudos.

Agora olhe para a China desde o ponto de vista do país que recebe os investimentos. A China oferece bons negócios a governos e países que precisam deles –e não exige riscos ou sacrifícios em contrapartida.

A única dúvida quanto ao futuro desta estratégia é qual é o próximo lugar onde vai dar certo.

IAN BREMMER é presidente do Eurasia Group e autor de "Superpower: Three Choices for America's Role in the World".

Tradução de CLARA ALLAIN


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