Folha de S. Paulo


Problemas e oportunidades que política de Trump cria no exterior

A decisão de Donald Trump de proibir a entrada de imigrantes de sete países majoritariamente muçulmanos causou uma disputa judicial nos Estados Unidos e protestos furiosos em muitas cidades do país.

Mas a discussão sobre seus méritos legais e morais não levará muita gente a mudar de ideia. Os partidários e os críticos do novo presidente já estão mobilizados e motivados. Pouca gente é neutra quanto a Trump ou sua política.

Spencer Platt/Getty Images/AFP
Manifestante protesta em frente à sede do Departamento de Segurança Doméstica em Nova York
Manifestante protesta em frente à sede do Departamento de Segurança Doméstica em Nova York

Mas o impacto mais importante dessa história está se desenrolando fora dos Estados Unidos. A política de imigração de Trump está apenas começando a criar problemas e oportunidades no exterior.

O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, viu a ação de Trump como oportunidade. Pouco depois do anúncio norte-americano, Trudeau usou o Twitter para deixar claro que o Canadá continua aberto aos refugiados.

"Para aqueles que estão fugindo de perseguições, terrorismo e guerra, o Canadá os acolherá, não importa qual seja sua religião. A diversidade é nossa força."

E a mensagem não foi um gesto impensado. Desde novembro de 2015, o Canadá já aceitou 40 mil refugiados sírios. É muito menos que a Alemanha, Turquia ou Jordânia, mas compare o total canadense aos 15 mil refugiados absorvidos nos Estados Unidos no mesmo período pelo governo Obama.

Infelizmente, a generosidade muitas vezes tem custo: horas depois da mensagem de Trudeau, um canadense que odeia muçulmanos matou seis e feriu 17 pessoas em uma mesquita na cidade de Québec.

Quanto à reação no Oriente Médio, Israel e os monarcas do Golfo Pérsico estão aliviados com a linha dura adotada por Trump contra o Irã, que o presidente norte-americano continuará a pressionar mesmo que opte por não abandonar o acordo nuclear com o país.

O governo do Egito favorece os planos de Trump para designar a Irmandade Muçulmana como organização terrorista. Mas a raiva contra a proibição de entrada de muçulmanos é exacerbada, nos países do Golfo Pérsico, pela recusa de Trump de consultar os líderes da região ou mesmo de avisá-los com antecedência sobre o decreto.

Também é natural para os governos da região imaginar que outros países podem entrar na lista. Trump enfrenta questões de política interna sobre os motivos para que escolhesse apenas países nos quais ele não tem hotéis, para aplicar restrições, mas basta um ataque contra norte-americanos por qualquer cidadão mentalmente instável de outro país de maioria muçulmana para que Trump sofra pressão pela ampliação da lista.

Arábia Saudita, Líbano, Tunísia e Jordânia têm muitos motivos de preocupação. A linguagem ácida de Trump torna mais provável um ataque contra norte-americanos.

Também devemos considerar se ou quando Trump pretende adicionar o Paquistão à lista de países cujos cidadãos não podem emigrar aos Estados Unidos. O relacionamento entre os Estados Unidos e o Paquistão vem se deteriorando há anos, e Trump parece sentir afinidade pessoal para com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi.

Mas é na Europa que a animosidade contra Trump vem ganhando terreno com mais rapidez. O ano é de eleições, na região. Haverá eleições gerais na Holanda, França e Alemanha. A Itália provavelmente conduzirá eleições antecipadas. O mesmo pode acontecer na Grécia.

Existe um medo bem fundamentado, entre os dirigentes da União Europeia e os políticos da elite tradicional em seus países membros, de que Trump leve adiante seu apoio à saída britânica da União Europeia, o "brexit", e incentive ativamente os populistas inimigos da união em todos os países mencionados.

Ataques terroristas ou uma nova escalada na crise de refugiados na Europa deixariam o continente ainda mais vulnerável às tensões que estão dilacerando a União Europeia.

Falando em "brexit", o relacionamento entre os Estados Unidos e o Reino Unido, um tradicional aliado, também sofreu um baque.

Uma visita da primeira-ministra britânica, Theresa May, a Washington ajudou os dois líderes a criar um relacionamento cooperativo, mas a proibição de Trump à entrada de muçulmanos, anunciada pouco depois da partida de May, a deixou em posição complicada. Mais de 1,8 milhão de britânicos já assinaram uma petição pedindo que Trump seja proibido de visitar o Reino Unido.

O convite a Trump não poderá ser retirado, mas as multidões que o receberão serão ruidosas e nada amistosas. Ao longo de sua visita, cada uma de suas aparições será causa de apupos.

Por fim, no coração daquilo que resta da aliança transatlântica está o relacionamento entre Trump e a chanceler alemã, Angela Merkel. Os dois líderes discordam sobre questões econômicas, sobre o futuro da Otan (aliança militar ocidental) e sobre a Rússia.

Mas é a tentativa de Trump de fechar as portas aos refugiados que sublinha a profundidade das diferenças que os separam. Diante de uma campanha de reeleição, a maior vulnerabilidade de Merkel vem de sua decisão de acolher refugiados muçulmanos e de sua firme recusa em limitar o número de admissões.

Nunca, desde o final da Segunda Guerra Mundial, os líderes da Alemanha e os dos Estados Unidos tiveram posições tão antagônicas. Mas está claro que Trump estabelecerá muito mais precedentes nos meses e anos que virão.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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