Folha de S. Paulo


Ausência de estratégia para América do Sul compromete ambições do Brasil

Um dos elementos básicos definidores do poder e do status de uma nação nas relações internacionais é a sua capacidade de influir ativamente em seu espaço geográfico imediato.

A ausência de uma estratégia objetiva e coerente para a América do Sul nos últimos anos vem permitido que forças externas ocupem o vácuo deixado pelo Brasil, delimitando a agenda da região e restringindo as opções internacionais do país. Sem uma base regional sólida, as aspirações do Estado brasileiro perdem tração nos múltiplos tabuleiros multilaterais, sobretudo, o pleito a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Um diagnóstico realista aponta para as seguintes constatações:

Enrique Marcarian - 17.dez.2014/Reuters
Da esquerda para direita, os presidentes, da Bolívia Evo Morales, do Uruguai José Mujica, do Brasil Dilma Rousseff, da Argentina Cristina Fernández de Kirchner, do Paraguai Horacio Cartes e da Venezuela Nicolás Maduro, durante reunião do Mercosul, em Buenos Aires (Argentina). *** (L-R) Bolivia's President Evo Morales, Uruguay's President Jose Mujica, Brazil's President Dilma Rousseff, Argentina's President Cristina Fernandez de Kirchner, Paraguay's President Horacio Cartes and Venezuela's President Nicolas Maduro wave while posing for photographs during the Southern Common Market (MERCOSUR) trade bloc annual presidential 47th summit in Parana, north of Buenos Aires December 17, 2014. REUTERS/Enrique Marcarian (ARGENTINA - Tags: POLITICS) ORG XMIT: CDG07
A então presidente Dilma Rousseff (centro) participa de conferência do Mercosul na Argentina

1) O Brasil não possui um projeto de desenvolvimento para a região consonante com sua suposta "liderança natural"; essa qualificação, aliás, reflete a incapacidade do país de estabelecer uma liderança efetiva e objetiva;

2) A China avança com investimentos sobre a América do Sul, ampliando seu poder sobre a região, preenchendo lacunas que deveriam ser ocupadas pelo Brasil e diluindo a influência de nosso país;

3) A ausência brasileira na mediação do processo de paz da Colômbia revela o grau de desprestígio de Brasília no desenrolar do principal tema de segurança sul-americana;

4) Suriname e Guiana parecem estranhos à configuração que a política externa brasileira confere à América do Sul. Somados a Bolívia, Equador e Venezuela, o número de nações que não compõem o baralho de Brasília é de cinco países, ou seja, quase metade da região;

5) A capacidade operacional da diplomacia nacional encontra-se reduzida ao Mercosul, bloco imerso em desfuncionalidade sistêmica;

6) Os EUA avançam gradualmente, aumentando sua influência sobre Paraguai e Suriname, além da Colômbia. E, habilmente, a diplomacia americana está restaurando sua influência na Venezuela;

7) A Aliança do Pacífico, que engloba três de nossos vizinhos –Colômbia, Peru e Chile– vai se desenvolvendo e se fortalecendo à margem da influência brasileira; e

8) A região vai se convertendo em arena de disputa comercial e política entre China e Estados Unidos, sob o olhar impávido do Brasil.

Uma constante histórica da diplomacia brasileira subsiste em buscar sempre navegar com zelo entre os países latino-americanos e, particularmente, no traçado fronteiriço sul-americano. A "natural liderança" brasileira é exercida mais pela capacidade de mediar conflitos regionais, de impulsionar iniciativas pontuais de integração econômica e pelo desinteresse de potências externas do que por um projeto consistente para a região.

Entretanto, a conjuntura –internacional e regional– mudou. Se o Brasil não renovar sua gramática política para a região, de forma ousada e assertiva, nossa atuação internacional será comprometida. Desde 2011, parece que o país perdeu a sua bússola estratégica para a região. Se o Brasil quiser alistar nossos vizinhos para suportar suas ambições globais, é preciso refletir sobre quais alternativas de desenvolvimento o país pode oferecer para a América do Sul.


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