Folha de S. Paulo


A estratégia camicase de Israel

Giuseppe Lami/Associated Press
U.S. Secretary of State John Kerry talks with Israeli premier Benjamin Netanyahu, left, during their meeting at Villa Taverna, U.S. Embassy, in Rome, Italy, Monday, June 27, 2016. (Giuseppe Lami/ANSA pool via AP) ORG XMIT: ROM109
John Kerry (d) conversa com o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, em Roma, em junho

A resolução 2334 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que condenou o Estado de Israel pela construção de assentamento ilegais nos territórios palestinos ocupados, reflete consenso internacional contra a errática política do governo de Binyamin Netanyahu.

Para se manter no poder desde sua ascensão, em 2009, Netanyahu se tornou refém da bandeira da colonização. O avanço do processo de paz passou a depender do beneplácito de uma coalização de partidos políticos composta majoritariamente por movimentos ultranacionalistas e religiosos de direita, refratários à existência de dois Estados.

A essa temerária política, a classe média secular e de esquerda, que deveria ser contrapeso natural, passou a se contentar com a estabilidade econômica e com o ilusionismo da cortina de segurança, tornando-se inerte aos perigos que a política de colonização pode trazer.

Agregados a esses elementos, os terríveis resultados da Primavera Árabe, que culminaram (à exceção da Tunísia) em Estados falidos, guerras sectárias e renovadas ditaduras maquiadas com as falsas penas da democracia, serviram como um "cheque em branco" para o atual governo de Israel ampliar sua política de violações internacionais.

Sem vigilância ou pressão efetiva, o governo Netanyahu nem sequer punha mais em seus cálculos o impacto das graves implicações da política de assentamentos e da desapropriação de terras palestinas. De forma até eficaz, ele explorou até onde pôde a retórica do programa nuclear iraniano como fonte de perigo à existência de Israel para desviar a atenção ao que ocorria nos territórios ocupados e criar uma sensação de insegurança.

Quando o acordo nuclear foi assinado entre Irã e o P5+1, Netanyahu perdeu o escudo retórico que o protegia, e o problema dos assentamentos voltou à tona.

Pouco se importando com penalidades diplomáticas, Netanyahu apostou no lobby para culpar os palestinos pelo naufrágio do acordo de paz, narrativa não sem fundamento, mas cuja responsabilidade não pode ser dividida proporcionalmente.

A bolha ilusória de que Israel está mais seguro não resistiu ao surto de ataques civis com armas brancas que tomou conta das esquinas israelo-palestinas, ceifando vida de inocentes. Sem contar o fortalecimento do Hamas, em Gaza.

Não obstante seu efeito moral, a resolução, no fundo, não vale mais do que seu próprio simbolismo. Nada irá impedir que Netanyahu siga com a colonização de mais terras palestinas.

Neste domingo, convocou o embaixador americano em Tel Aviv para esclarecimentos, como forma de repreensão à abstenção de Washington na votação. Na persistência das atuais tendências, o Estado judeu terá que lidar no futuro com uma realidade mais dura do que a simples não-existência do Estado palestino.

A política de pavimentar a ocupação a um ponto sem retorno para logo evoluir a um processo de anexação de partes da Cisjordânia e Jerusalém Oriental levará a duas conjunturas camicases e potencialmente irreversíveis: 1) a instituição de um regime de apartheid e/ou 2) um Estado binacional, o que deformaria o caráter judaico de Israel.
Nenhuma das opções serve para um Oriente Médio que deveria ser plural, ecumênico e multiétnico. Salam; shalom; paz, e que 2017 seja melhor para toda a humanidade.


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