Folha de S. Paulo


Falcões republicanos não permitirão Trump vilipendiar diplomacia dos EUA

Mandel Ngan - 9.nov.2016/AFP
(FILES) This file photo taken on November 9, 2016 shows President-elect Donald Trump speaking during election night at the New York Hilton Midtown in New York. Donald Trump will keep his vow to deport millions of undocumented migrants from the United States, he said in an interview to be broadcast November 13, 2016, saying as many as three million could be removed after he takes office.
O presidente eleito Donald Trump discursa no dia seguinte após vencer a eleição americana

Gostem ou não, nenhum candidato à presidência dos EUA foi exposto a tantos obstáculos como Donald Trump. Das prévias do Partido Republicano até enfrentar Hillary, que, por sua vez, teve seu lado facilitado para ganhar a nomeação, Trump resistiu a tudo e a todos.

Hillary, mídia e czares do establishment estavam anestesiados pelo clima de "já ganhou". Afinal, tratava-se, em teoria, do mais "despreparado" candidato versus a mais "preparada" herdeira política.

Para tentar entender parte do que aconteceu, é preciso dividir a retórica de Trump em duas frentes com pesos proporcionalmente distintos no processo de influenciar o eleitor.

A primeira tange ao discurso beligerante do Trump em temas externos. Considerável parte de seus eleitores pouco se importa com o mundo exterior ou até se ele vai cumprir as suas promessas nesse campo. O anseio primordial do grupo está focado em segurança, emprego, renda e acesso a crédito.

Sobre política externa, ainda é cedo para fazer previsões e diagnósticos quanto ao formato da ordem internacional. A priori, os falcões republicanos não vão permitir que Trump vilipendie o patrimônio diplomático dos EUA no mundo, que é uma abundante fonte de negócios.

O tripé segurança, energia e comércio seguirá sendo a principal locomotiva do país nas relações internacionais. O formato de como compor esses elementos pode variar de acordo com a ocasião e se transvestir em variadas facetas.

Jamais uma nação acumulou tanto poder e capacidade de intervenção em todos os quarteirões do globo como os EUA. Sua máquina econômica, política e militar se expandiu de tal forma que, por mais que se queira dar meia volta, bater em retirada não será tarefa simples.

Já a segunda parte refere-se ao aparente xenofobismo de Trump, que não está distante de como parte silenciosa do cidadão americano branco de classe média baixa e, inclusive, partes da elite pensam.

O discurso sobre direitos civis, minorias e desenvolvimento sustentável moldado pelos estrategistas da Hillary só tinha aderência nos principais centros do país. Para o eleitor médio, o sonho americano deveria se traduzir em possibilidade de ascensão e não na mera manutenção de seu status quo econômico.

Até sua posse, Trump terá a hercúlea tarefa de dissipar desconfianças para não iniciar o seu mandato mais desgastado do que já está. Por isso, já se notam ajustes de narrativa por parte do presidente eleito.

Em matéria internacional, por mais que as declarações de Trump venham a ser interpretadas como uma mudança da ordem mundial liberal, incluindo ameaças à estabilidade da Otan, distanciamento da Ásia como esfera de influência, flerte com a Rússia de Putin, desintegração do regime de não-proliferação nuclear e inflexão protecionista no comércio, tais temas não passarão à margem do Legislativo e, mesmo, da Suprema Corte.

O robusto sistema de freios e contrapesos da política americana já deu, por diversas vezes, provas de que tem condições de acomodar e ajustar alterações no funcionamento do establishment, limitando excessos e normalizando expectativas.

A tradicional lua de mel dos cem primeiro dias de governo parece ser possibilidade nula. Nos EUA, ninguém governa apenas com o voto e sem instituições. Apesar de ter vencido, Trump não tem carta branca.


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