Folha de S. Paulo


Procura-se política externa

Toda política externa bem delineada é estruturada sobre três pilares básicos: realpolitik, pragmatismo e coerência. Sem que esses elementos estejam bem calibrados e coordenados entre si, o ativismo de qualquer diplomacia se torna inócuo.

Após seis meses de administração Temer, já é possível fazer um diagnóstico da política externa, ao menos no que diz respeito à lacuna entre retórica e ação em tópicos como América do Sul, Oriente Médio, direitos humanos e comércio internacional.

Em direitos humanos, o Brasil tem optado pela omissão sistemática. A política externa para Síria simplesmente inexiste. No Iêmen, o Brasil abraçou o silêncio mórbido. Para Israel e Palestina, o país vai se equilibrando em suas próprias incongruências.

Chega a ser irônico eleger-se para Conselho de Direitos Humanos da ONU com menos votos do que Cuba, que teve 160, enquanto o Brasil, recebeu 137. Resta saber como o Brasil pretende, em seu mandato (2017-2019), se empenhar para aumentar a efetividade do Conselho na promoção e proteção dos direitos humanos se não consegue tomar posição efetiva sobre nenhum assunto relevante.

Na América do Sul, a diplomacia brasileira só consegue se fazer ouvir no Cone Sul, e com ressalvas. Para a região, a atual gestão se atém a aspectos pontuais para se apresentar como renovada e como um contraponto às políticas do PT. Mas, considerando que o governo Dilma não tinha clareza em sua estratégia internacional, qualquer contraponto se torna ineficaz. Além de antagonizar com os bolivarianos, o Brasil ainda não demonstrou qual é o esboço de sua estratégia sul-americana.

O grande diferencial em relação ao último governo é o foco dado à diplomacia presidencial. Não obstante, bastaria fracionar as missões em três grupos para concluir que esse ativismo diplomático não se traduziu numa política que pode ser considerada estratégica.

Das pré-agendadas missões multilaterais à China (G-20), Nova York (ONU) e Índia (Brics), o Brasil pouco influiu no seu escopo ou agenda. As bilaterais a Argentina e Paraguai serviram para repetir o discurso monolítico sobre Mercosul-Venezuela e vagos projetos de integração. Já a missão ao Japão é a única que poderia ser considerada fruto de articulação política com foco na atração de investimentos e expansão comercial.

Não é possível deixar de constatar que o objetivo precípuo da diplomacia presidencial é o de buscar conferir legitimidade à nova administração e tranquilizar investidores internacionais. Entretanto, esse ativismo inicial aparenta ser mais uma necessidade de natureza pontual do que parte de um projeto estratégico e coerente de política externa.

No campo comercial, o país pouco avançará com seu modelo protecionista. Será improvável ver algum acordo robusto de livre comércio ser assinado até 2018, como aludiram integrantes do governo.

Convenhamos, ninguém conseguiu decifrar qual é a estratégia da política externa; ninguém consegue matizar qual é a visão de mundo do Brasil. A desarmonia entre realpolitik, pragmatismo e coerência é nítida.

E com a operação Lava Jato batendo às portas do Itamaraty, pode ser que o presidente Temer se veja forçado a mexer no ministério. A imagem de um chanceler não é apenas a imagem de um governo, mas de um país no exterior. Isso significa que o Brasil pode estar sujeito a conhecer o seu quinto chanceler em seis anos.


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