Folha de S. Paulo


Punição inconsequente

A reunião de chanceleres do Mercosul que ocorre nesta segunda (11), em Montevidéu, será um dos mais importantes testes do bloco desde o Tratado de Assunção, de 1991.

O problema envolve a presidência rotativa da organização, que, pelas normas do bloco, deveria agora passar do Uruguai para a Venezuela de Nicolás Maduro. Nos bastidores, têm sido discutidas gambiarras diplomáticas para impedir que a cadeira seja ocupada pelos chavistas.

Numa ponta está o Uruguai, que defende o caminho institucional e alerta para a gravidade de uma nova ruptura à semelhança da que pôs Caracas no bloco, em 2012. Na outra, Brasil e Argentina, que querem isolar Maduro em razão do paulatino colapso da democracia venezuelana. O Paraguai, por sua vez, quer "dar o troco" pelo processo de 2012.

Não há dúvida de que a Venezuela esteja tomada por crimes contra liberdade de expressão, pluralismo político e direitos humanos. Mas, pela norma vigente, não há base para impedi-la de presidir o Mercosul.

Nunca é tarde para lembrar que a equivocada e bisonha suspensão do Paraguai para incluir a Venezuela pela porta dos fundos agravou o imobilismo do bloco. Repetir o erro com o sinal invertido (um drible nas regras por conveniências políticas), porém, significa minar a pouca credibilidade que resta ao Mercosul.

O bloco e suas regras precisavam estar acima de vinganças ou revanchismos circunstanciais. Violar normas por falta de coragem, afinal, não é muito diferente do que Maduro faz em seu país.

O embuste para punir extraoficialmente Caracas não contribui para o Mercosul, a região e muito menos a resolução do impasse interno venezuelano. O que os uruguaios defendem, no fundo, é não repetir a aberração do caso paraguaio.

Falta coragem para suspender a Venezuela, ou Brasil e Argentina querem pagar barato por um blefe que nem cócegas fará em Caracas –e os venezuelanos aparentam não se importar.

A Venezuela pode ter até deficit moral para assumir a presidência do bloco. Mas, se vale o critério da liberdade política, vários países não deveriam constar na lista de prioridades do Brasil. Não pode haver padrão moral seletivo quanto ao desrespeito aos direitos humanos.

Alguns dos sócios do Mercosul sugerem que a presidência venezuelana empacaria o avanço das negociações com a União Europeia. Melhor arrumar outra justificativa.

Se houver vontade política, a punição a Caracas deve ter base na cláusula democrática do bloco e ser executada por meio de uma comissão especial do Mercosul capaz de identificar os crimes venezuelanos.

Nenhum país parece disposto a bancar essa ideia, por isso querem defenestrar a Venezuela do Mercosul de trivela num samba-tango inconsequente. E Buenos Aires, que lançou sua chanceler para o posto de secretária-geral da ONU, sabe que isso seria custoso. Uma América do Sul desunida e fragmentada é a implosão da candidatura de Susana Malcorra antes da decolagem.

Se avançarem no plano de quebrar, novamente, as regras do Mercosul, o bloco se aproximará de um fim melancólico. Se é isso o que querem os sócios do Mercosul, que adotem o caminho menos traumático.


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