Folha de S. Paulo


Washington de olho em Brasília

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Peter Michael McKinley, recém-indicado por Obama, e Liliana Ayalde, atual embaixadora no Brasil
Peter Michael McKinley, recém-indicado por Obama, e Liliana Ayalde, atual embaixadora no Brasil

Liliana Ayalde está de partida e Peter Michael McKinley foi escalado pelo presidente Barack Obama para ocupar o posto de embaixador dos Estados Unidos no Brasil.

Para o padrão clássico da diplomacia americana, trata-se de substituição heterodoxa. A manobra se reveste de profundo caráter estratégico que transcende a relação Washington-Brasília.

Ao que tudo indica, a escolha de McKinley, profundo conhecedor da América do Sul, parece vinculada às transformações sociopolíticas em curso na região, tendo sido acelerada pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff e pela acentuada deterioração da situação social, econômica e política da Venezuela.

A guinada para um governo de corte liberal no Brasil tende, na percepção de Washington, a impactar a arquitetura política da América do Sul, a qual pode ser menos refratária aos interesses americanos.

A senha para a mudança na estratégia dos EUA foi o posicionamento do Itamaraty de José Serra nas notas diplomáticas contra manifestações dos governos de Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador, Nicarágua e El Salvador, da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), e dos secretários-gerais da Unasul e da Organização dos Estados Americanos.

O caráter incisivo e frontal da gramática diplomática do novo chanceler rompe com o padrão convencional e insípido das notas da Chancelaria brasileira e insinua uma abertura do Brasil a posições de maior convergência politico-ideológica com os Estados Unidos.

Tais circunstâncias aceleraram a reconsideração de Washington acerca do perfil exigido para o chefe de sua diplomacia em Brasília, demandando um olhar mais estratégico e operacional do que protocolar sobre a dimensão sul-americana da nova agenda externa brasileira.

A função de McKinley será não apenas retrabalhar as relações bilaterais, reestabelecendo a sinergia política e possíveis canais privilegiados de interlocução, mas envolverá, sobretudo, um acompanhamento mais atento da dinâmica da atuação brasileira para a região e, particularmente, para a Venezuela e outros países do eixo bolivariano.

A aposta de Washington é que a reorientação externa promovida pelo governo de Michel Temer, de caráter mais pragmático e priorizando temas econômico-comerciais e outras regiões do globo, tende a desidratar a narrativa da unidade ideológica sul-americana.

Além de arruinar a Venezuela e suas instituições, Nicolás Maduro se revela incapaz de conter a crescente insatisfação popular e de reviver o chavismo e o bolivarianismo, que se encaminham para o abismo.

A troca de comando na embaixada americana e a nova atitude do governo brasileiro têm potencial de contribuir para sua derrocada final.

O posicionamento do Itamaraty de Serra dará o tom na região.

Sua retórica repercutiu sonoramente em Washington, que irá estabelecer o seu quartel-general para Caracas em Brasília.

Os Estados Unidos estão atentos para eventuais mudanças na rotação da bússola geopolítica sul-americana, e um Brasil de nova orientação política é a peça-chave nessa equação.


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