Folha de S. Paulo


Nova doutrina de política externa

O debate recente sobre a política externa tem se restringido a um exame superficial do caráter das opções do país nas relações internacionais. Política externa e diplomacia frequentemente se confundem, mas não são, a rigor, a mesma coisa.

Política externa é a substância da inserção internacional de um país e a diplomacia, o método.

Ueslei Marcelino -11.mai.2016/Reuters
O ministro das Relações Exteriores, José Serra, vota na sessão do Senado do afastamento de Dilma
O ministro das Relações Exteriores, José Serra, vota na sessão do Senado do afastamento de Dilma

A política externa brasileira está organizada em uma matriz estável de valores e princípios, erigida durante um processo histórico. Nos últimos anos, porém, o Brasil se encontra no fluxo final da doutrina concebida no pós-redemocratização.

Forjado um consenso nacional sobre os imperativos com que o país se deparava, a doutrina da política externa do período democrático foi arquitetada para alcançar os seguintes objetivos de longo prazo: ampliar o poder do Brasil no contexto global; preservar a segurança política e comercial na região; e projetar o país no front multilateral.

O modelo prevalente após 1985 dá claros sinais de esgotamento. Até pelo êxito de alguns eixos dessa doutrina, o país mudou de estatura sem que tenha evoluído o modus operandi para definir prioridades e adequá-las a demandas mais qualificadas e diversas da sociedade.

A encruzilhada diante dos formuladores da política exterior resume-se fundamentalmente em como definir a inserção internacional de um Brasil mais potente e diverso na ordem global. Por isso, é imprescindível refletir se não seria hora de o Estado brasileiro de articular, com a sociedade civil, uma nova doutrina.

Uma das correções de rumo reside na constatação de que o Brasil se transformou em operador internacional excessivamente multilateralista. Dos projetos significativos, poucos avançaram com concretude no campo político, já que os resultados da diplomacia parlamentar evoluem de forma gradual e lenta.

Contudo, essa arena continua sendo uma das melhores raias de navegação do Brasil no sistema internacional. Por isso, é preciso construir uma nova fórmula calcada no multilateralismo inteligente e útil.

Por outro lado, a reorientação das funções do Itamaraty e da tutela da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) e da Camex (Câmara de Comércio Exterior) agora vinculadas ao novo chanceler, José Serra, podem ser um importante ativo.

Para tanto, a interconexão dessas novas frentes precisa ser calibrada para não transformar os parâmetros da política externa numa tenda exclusivamente comercialista e atrelada a mercado e produtos.

Assim, um dos desafios de Serra será conciliar uma consciência geopolítica alinhada a uma nova plataforma de comércio internacional e traçar um equilíbrio entre elas.

Se bem desenhada, a nova simbiose entre geopolítica e promoção comercial pode forjar um novo modelo de inserção estratégica, dando ao Itamaraty papel mais relevante e erguendo um novo padrão na geopolítica da diplomacia brasileira.

É aguardar para ver a matriz de ideias e as diretrizes da política externa do governo Michel Temer, concebidas por um crítico contumaz como Serra. Apesar do descompasso entre os recursos de poder do país e suas ambições globais, há instrumentos para fazer mais.


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