Folha de S. Paulo


Fidel, Harvard e dois presidentes

A Guerra Fria criou três emblemáticos bastiões de resistência ao poderio dos Estados Unidos no tabuleiro das relações internacionais: Cuba, Irã e Coreia do Norte.

Ao assumir a Casa Branca, há quase oito anos, Barack Obama colocou como meta acertar as contas dos EUA com a história e, de quebra, encerrar obsoletos capítulos do conflito bipolar que auferiram poucas vantagens concretas a Washington, fora uma folclórica narrativa.

A visita de Obama a Cuba, há duas semanas, encerra um dos mais irônicos pilares da Guerra Fria no contexto latino-americano.

Do ponto de vista econômico e político, Washington foi pouco a pouco se convencendo da inutilidade do bloqueio a Cuba. Percebeu-se, ao fim, que o impasse com Havana apenas fomentava, na América Latina, falsas retóricas e arquétipos de um novo socialismo, desconexo com a realidade do mundo atual e na contramão da história.

O grau elástico do pragmatismo norte-americano para a resolução de controvérsias é exemplo de como a política pode reajustar seu compasso à história. O isolamento imposto a Cuba não funcionou e demonstrou ser contraproducente.

Em Havana, além de mostrar carisma, humildade e grandeza, o líder americano cravou o seu nome na história. O novo capítulo das relações EUA-Cuba não deve apenas simbolizar o possível fim da "última trincheira latina que não se curvou ao império", mas um gesto de redenção de líderes que almejam dar contornos mais seguros para o futuro de seus respectivos povos.

A história cubano-americana, balizada por uma amarga mistura de admiração e renegação, guardava nos arquivos da Universidade Harvard valiosos documentos que somente há pouco foram revelados pelo professor Graham Allison, da Kennedy School of Government.

O manuscrito de Allison conta que, em 1948, Fidel Castro candidatou-se para ingressar como aluno de Harvard e sua postulação não foi aprovada. Uma década depois, em 25 de abril de 1959, já aos 32 anos, Fidel fora recebido pela mesma universidade na condição de líder revolucionário que impactaria o curso da história latino-americana.

A expectativa de ouvir o discurso de Fidel obrigou a universidade a alocar o evento em seu estádio, pois não havia um auditório que comportasse os cerca de dez mil expectadores —o maior público já registrado pela instituição em palestra.

Ao apresentá-lo, o decano da faculdade de Artes e Ciência McGeorge Bundy apressou-se em pedir desculpas em nome de Harvard por haver rejeitado a inscrição de Fidel.

Foi John F. Kennedy, um ex-aluno da instituição, que impôs a Cuba, em 1962, um embargo que apenas outro egresso da Harvard, Obama, começaria a desmantelar.

Questionado por que ir para Harvard, Fidel respondeu: "É lá que se encontra o verdadeiro espírito combativo: em alunos, não no quartel" —assertiva que por vezes não teve validade para alunos e intelectuais críticos ao regime cubano.

Se Fidel tivesse ingressado, Cuba talvez não tivesse sido a nação pulsante que é, a história latino-americana teria sido menos repleta de cores e controvérsias e Obama não se eternizaria.


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